Encontrei essa frase na recém-publicada autobiografia da Viola Davis, “Em Busca de Mim”. O livro me provocou um olhar para dentro, um tanto de perguntas e respostas; da frase para um recorte analítico sobre o papel da mulher no Brasil e a nossa constituição como sociedade.
Observando a mulher que “nasce” no Brasil Colônia identificamos que ela estava submetida ao ideal de superioridade masculina a justificar a demanda de proteção, controle e cuidado da mulher. Especialmente reprimida e educada pelas leis da igreja católica em benefício do equilíbrio doméstico, da segurança social e a própria ordem das instituições civis e eclesiásticas. As representações sociais do gênero feminino foram ancoradas na Tríade Divina – Pai, Filho e Espírito Santo, na tradição do poder masculino a mulher é uma não-figura. E se tratando da mulher negra em diáspora vivendo nesse mesmo contexto, desumanizada e objetificada.
Partindo do Brasil Colônia, é somente no começo do século XIX que essa sociedade e por força da imposição do desenvolvimento econômico, afasta a discussão do lugar de divisão entre sexo e a traz para o lugar de gênero. Por um viés, mulheres exercendo seu “protagonismo” como esposas e, por outro, as mulheres negras, expropriadas, que lutavam por sobreviver como subgênero feminino apesar de toda sua força e potência.
A aquisição de direitos pelas mulheres é algo muito recente no Brasil. Em 1932 alcançamos o direito ao voto, em 1943, pudemos trabalhar sem autorização do marido; em 1962 abrir conta em banco. A isonomia de direito só foi proclamada com a Constituição de 1988, há pouco mais de 3 décadas.
Até que isso acontecesse, apenas sobreviventes, todas nós, mas em lugares e condições distintos na luta por condições de igualdade.
Por todo esse recorte de distorção, controle, submissão, desvalorização, falta de oportunidades, mulheres pretas se tornaram empreendedoras. Empreendendo por necessidade desde a última abolição (referência ao documentário de mesmo nome que recomendo fortemente). No Brasil, mais da metade do empresariado negro é feminino e movimenta R$ 704 bilhões por ano, conforme dados do Instituto Geledés.
Apesar desse impacto, muitas dessas empresas não são formalizadas, algumas não têm plano de negócios e a grande maioria enfrenta como principais obstáculos o preconceito racial e a dificuldade de acesso ao crédito. Para as mulheres, somam-se a esses desafios grande parte das tarefas da casa e a responsabilidade do cuidado com os filhos.
No contexto marcado pelo desequilíbrio das relações, quando irresignadas, as afroempreendedoras levantam a sua comunidade e trazem outras mulheres negras para prosperar consigo. Essa parece ser a melhor experiência de resistência: a construção de dimensões de potência e protagonismo plurais; o fazer coletivo, realizando a micro e a macro política no mercado de trabalho e em todos os ambientes e espaços de poder dando voz e vez para todas.
Pretas, fortes, potentes, infinitamente maiores do que a marca da invisibilidade que tentaram lhes impor. Quando tomam consciência de si, redescobrem a força e o poder da sua constelação.
“Escrevi para aquelas que se sentem excluídas, que estão à procura de uma forma de entender e superar um passado complicado e encontrar amor-próprio no lugar da vergonha. Escrevi para quem precisa se lembrar de que a vida só vale a pena ser vivida se a encaramos com honestidade radical e coragem de abandonar as máscaras e apenas ser…você”. Viola Davis.
Alessandra Francisco Silveira é advogada, pós-graduanda em Direitos Humanos, responsabilidade social e cidadania global. É mentora de carreira e consultora em diversidade, equidade e inclusão na @_we_are_connected.
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