Publicado em 27/08/2024
“A merendeira desce, o ônibus sai, dona Maria já se foi, só depois é que o sol nasce…”
O último país do mundo a abolir o regime escravocrata jogou homens e mulheres às margens para sobreviverem por si próprios.
Desde 1888, as donas “Marias” e os seus “Pedros” (ou Tinos, como o meu pai) saem antes do sol nascer e retornam após o crepúsculo, para prover casa e família.
Na letra de Emicida, “A ordem natural das coisas” (que escolhi para abrir este texto) se refere à naturalidade desta rotina, de sair antes do sol, da preocupação com a segurança e das dificuldades de construir e conquistar algo, mesmo que seja uma reforma no quartinho.
Partindo dessa perspectiva, entendemos que o Afroempreendedorismo nasceu da necessidade de competir em um mercado de trabalho pós-abolição, no qual o direito a estudos e qualificação não nos era permitido, fazendo com que homens e mulheres buscassem meios para sobrevivência.
De acordo com o SEBRAE, existem 42 milhões de empreendedores no Brasil, sendo mais de 50% pessoas negras, responsáveis por movimentar, segundo o Banco do Brasil, em 2022, cerca de R$ 1.73 trilhão.
Saudando nossas vitórias, hoje temos clínica odontológica liderada por afroempresários, hamburgueria, salão de beleza, restaurantes, empresas de tecnologia, consultorias e mentorias empresariais, mandatos políticos, escolas profissionalizantes, escritórios de advocacia, clínicas de psicologia, editoras, empresas de comunicação e marketing, entre tantos outros, além de continuarmos na base da pirâmide nos trabalhos de necessidades básicas.
Olhando os números, me pergunto: imagina se tivéssemos mais oportunidades?
A data de 26 de agosto é destacada como Dia do Afroempreendedorismo, estipulado em 2019, na cidade de São Paulo. É celebrado com feiras e oficinas voltadas ao desenvolvimento dos negócios afros na capital paulista.
Em Porto Alegre, a data foi adotada pela Odabá – Associação de Afroempreendedorismo, que desenvolve uma programação para fomentar a cultura do black money. A Semana do Afroempreendedor ocorre de 29 de agosto a 1° de setembro, com mais de 30 horas de painéis e atividades para qualificação com lideranças em diversos segmentos econômicos e sociais.
O evento é aberto ao público, tem inscrições gratuitas e vagas limitadas. Para garantir a inscrição, as pessoas interessadas podem acessar no site da Odabá.
A iniciativa está alicerçada em três linhas temáticas – as mesmas que conduzem a Odabá desde a fundação: eliminação de crenças limitantes, qualificação empreendedora e a valorização da produção cultural negra. Isso representa um importante passo no processo de reparação após mais de 130 anos de uma falsa liberdade.
Deixo aqui a reflexão: o que é liberdade para você?
Segundo a filosofia, “liberdade significa o direito de agir segundo o seu livre arbítrio, conforme a própria vontade…”. E questiono: em um sistema capitalista, como é possível exercer seu direito de agir conforme a sua vontade sem recursos financeiros?
A importância da articulação e do fomento à economia negra é símbolo de resistência, de retorno às raízes, de resgate da cultura. Vai muito além do que se entende por empreender nos dias de hoje.
A luta por políticas públicas, a necessidade de se manter organizados e fortalecidos faz parecer que a veia é empreendedora, quando na realidade a busca é pela veia de cidadania que nos foi tirada.
Referências:
É coisa de preto
Afroempreendedorismo Feminino
O Conceito de Liberdade segundo a Filosofia
Raquel Santos (@raqsantos) - Profissional multiplural, técnica em Administração com ênfase em TI, graduanda em Marketing, mentora empresarial, gestora de projetos e Marketing Digital, corretora de Imóveis e membro da Odabá - Associação de Afroempreendedorismo. Mãe da Camille, filha do Tino e da Irene, irmã do Rodrigo e do Rogério.
Foto da Capa: Acervo da Odabá
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