Mulheres com idade próxima ou acima dos 50 anos certamente já tiveram contato com a expressão “ageless” – que pode ser traduzida como eterna, sempre jovem ou, a que considero a mais cruel das acepções: sem idade. Como frequentadora de redes sociais, sou bombardeada diuturnamente por mensagens edificantes e cheias de energia de diferentes influenciadoras em torno desse conceito que teoricamente deveria me tranquilizar quanto à etapa de vida em que me encontro. Teoricamente. Porque é quase tudo feito de uma maneira tão enfática, que chego a me preocupar com o fato de estar à beira da meia idade (sim, eu considero que ainda tenho 50 anos para viver, me deixa) não me preocupe tanto.
A concepção de que as pessoas (mais especificamente as mulheres, já que os homens aparentemente nunca tiveram esse tipo de problema) não precisam e não devem viver em categorias separadas pela idade aparentemente começou a ganhar força a partir de uma pesquisa realizada em 2017 por uma produtora inglesa chamada SuperHuman. Reportagem feita à época pelo jornal The Telegraph, cita como exemplos dessa “nova mulher” celebridades como Julia Roberts, J.K. Rowling e Michelle Obama.
No Brasil, uma das representantes (e defensoras) da ideia é a atriz Claudia Raia. Como se não bastasse ser exímia dançarina, personalidade fulgurante e atriz consagrada nas telas e nos palcos, ela anunciou há pouco estar grávida do terceiro filho. Aos 55 anos. Mas será que é isso que almejamos a maioria das mulheres dessa idade? E se não for?
Aí reside meu desconforto diante do sequestro da minha idade, que venho nutrindo cuidadosamente há 48 anos. Porque por trás desse rótulo supostamente fortalecedor fica evidente o etarismo. Ou para vocês também não parece difícil engolir a lógica de se tratar o envelhecer como algo tão negativo que o bom é ser “sem idade” ou “eterno”? Quem, em sã consciência, aproximando-se dos 50 anos, com toda a maturidade, as histórias e a capacidade de não se importar com coisas desimportantes acumuladas ao longo das décadas, gostaria de voltar aos 20 ou mesmo 30?
Em tempos em que tanto se fala de maneira fervorosa da importância da autoestima, do autocuidado e do autoconhecimento, parece contraditório usarmos tão entusiasmadamente um rótulo justamente para desrotular. Ou será que uma moça de 22 anos passar as noites fazendo crochê enquanto vê Netflix é menos “ageless” do que uma mulher à beira dos 60 anos engravidar?
Acredito que a forma como nos vemos, nossa autoimagem, diz respeito apenas a nós mesmos e ao nosso desenvolvimento pessoal. É claro que minha postura diante da vida e de mim mesma pode melhorar (ou piorar) a forma como me relaciono com o mundo, mas certamente não terá grande influência na forma como os outros me veem. De que serve, portanto, a imposição de uma #hashtag #empoderadora para além de vender produtos?
E a sua autoimagem, como anda?
Por falar em grávida (e autoimagem), não quero deixar vocês sem lembrar uma história que diz muito a meu respeito (para que o prezado leitor entenda com quem está lidando).
Entre decidirmos ter um filho e eu conseguir engravidar, passaram-se oito anos. Depois de tanta expectativa, desnecessário dizer o quanto aproveitei esse período da minha vida. Gravidíssima, estava superfeliz por ter engordado muito pouco e me sentia basicamente a Gisele Bündchen das grávidas de Porto Alegre, especialmente quando usava uma pantalona preta que vestia com uma bata fluida que me deixava, eu tinha certeza disso, extremamente elegante – esguia até.
Nessa época, fui fazer uns exames no hospital com essa roupa, praticamente flutuando, com a leveza que sentia – apesar dos quase 8 meses de gravidez. Indo na direção da porta automática da entrada do laboratório, vejo, vindo na minha direção, de dentro do prédio, uma outra grávida. Meu coração foi tomado por uma sensação de profunda pena.
Pobre mulher. Caminhava feito uma pata choca, balançando de um lado para o outro, desengonçadamente. Enquanto nos aproximávamos, eu pensava “nossa, será que eu ainda vou caminhar assim? que sorte eu tenho de ainda estar conseguindo caminhar com alguma leveza”. Confesso que fiquei até um pouco constrangida pela possibilidade de não conseguir disfarçar meu ar de superioridade diante dela.
Então a porta se abriu, e a “outra” grávida sumiu da minha frente. Porque ela era eu. Foi um dos acessos de riso mais longos que eu tive na vida. Prova de que nem sempre (ousaria dizer quase nunca) a forma como nos sentimos é como nos veem. E, sinceramente, isso importa?