Terminado o Carnaval, vamos falar da Mulher. Afinal, o Dia Internacional da Mulher é celebrado neste sábado, 8 de março, reconhecido pela Organização das Nações Unidas, numa homenagem à luta das mulheres por igualdade de direitos e contra a discriminação.
Se hoje podemos ser alfabetizadas, frequentar escolas, exercer uma profissão, possuir propriedades em nossos nomes, receber heranças, dirigir e viajar, descasar por vontade própria, votar livremente, decidir se queremos ou não ter filhos, é porque antes de mim e de você milhares de mulheres lutaram por esses direitos. Veja aqui uma linha do tempo da conquista deles no Brasil. Sabia que apenas em 1974 foi permitido que portássemos cartão de crédito?
Conforme o relatório de 2024 do Índice Global de Disparidade de Gênero, produzido pelo Fórum Social Econômico (tenha acesso a ele clicando aqui), entre os 146 países pesquisados, o Brasil caiu para o 70º lugar, perdendo 13 posições.
Poderia enfileirar outros estudos e índices aqui, talvez já conhecidos ou não por você, sobre as diferenças entre o tratamento de homens e mulheres: sobre valores de salário, no tanto de horas dedicadas ao cuidado da família e da casa, sobre o percentual na ocupação de cargos de liderança, todos em desvantagem para nós, mulheres. Cada vez que leio esses documentos, fico envolvida em frustração, decepção e raiva porque, apesar de todos esses dados concretos, parece que eles são insuficientes para que políticas e medidas oficiais e na sociedade civil sejam implantadas, pois ainda se projetam 134 anos para que a igualdade entre os sexos aconteça nesse mundo injusto.
Assim, já calculo que o medo que eu sinto ao sair sozinha na rua, ao andar num metrô lotado, ao entrar num carro de aplicativo à noite, ainda será sentido pela minha neta. Os olhares e julgamentos sobre meu modo de vestir, a altura da minha risada, meu tom de voz ao dar uma ordem, minha bisneta sofrerá.
E agora chega março e vêm as “celebrações pelo Dia da Mulher”. Temos muito a comemorar, mas mais do que nunca precisamos ficar atentas e fortes. Cheiro no ar tentativas para sufocar nossas conquistas.
Uma dessas formas é clara, retirando nossos direitos, como por exemplo a supressão das formas legais de realizar aborto, inclusive por meninas e mulheres vítimas de estupro, no Brasil. Também a diminuição de promoção de mulheres em cargos de liderança nas empresas, em função da retração dos programas de diversidade pelo mundo afora.
Outra maneira é querer nos manter nas “caixinhas” que entendem que cabemos. Aquela que precisamos atender a padrões de beleza inatingíveis e sempre joviais, sorrir em vez de gargalhar, pedir em vez de mandar. E a tal mídia, redes sociais, cinema, TV, influencers, vivem a nos oferecer mensagens desse tipo. Sermos princesas, jamais bruxas. Afinal, essa última é capaz de tudo, até se permitir liberdade em vez de ser a eterna boazinha.
E é tão sutil o que fazem conosco. Desde tão pequenas. Lembro que meus pais me chamavam a atenção porque gostava de subir em árvores, sentava de pernas abertas, brincava com meninos e preferia bicicletas a bonecas. Mas achavam que estava tudo bem dançar como as “chacretes” (sensuais assistentes de palco do Programa Cassino do Chacrinha), já que eram símbolos de beleza da época. Assim, a gente vai aprendendo que pra ser mulher é preciso ser feminina. E nos colocando naquelas caixinhas. Sobre essa forma como somos educadas e socializadas desde o nascimento, recomendo o podcast Não Te Empodero, da Profª Dra. Maria Carol Medeiros, que numa linguagem fácil, mas com conhecimento e domínio de conteúdo, nos clareia a respeito.
Nesse mundo em que o mando do homem esteve na lógica desde o início, chegamos aonde chegamos. Quando falo do “mando do homem”, incluo um sistema de valores e práticas que muitas mulheres também estão inseridas, infelizmente. Reconheço a existência de homens que buscam escapar desse mesmo sistema, mesmo tendo sido educados nele. Para entender e saber mais a respeito, indico os cursos da Profª Dra. Suzana Veiga. Nessa estrutura tão forte e dominante, perseguir a igualdade parece utopia, face à distância em que nos encontramos. Esperançar ou desistir? Prefiro a primeira opção.
Tomar consciência dessa distância é o primeiro passo. Descobrir que podemos ser diferentes e fazer diferente em nível individual, encontrando a forma que nos dá sentido. Encontrar o potencial que nos fizeram acreditar que não existia na gente ou que não éramos suficientes o bastante.
Unir-se a outras mulheres. Criar uma rede protetora. Onde exista sororidade, união, parceria, torcida, amorosidade, generosidade. Desde os primórdios, fomos especialistas nesses sentimentos e ações, mas, para nos enfraquecer e dividir, nos fizeram acreditar em competição e inveja mútua. Dar-se conta de que a gente não está louca e de que há questões que fazem parte de uma estrutura, e que juntas podemos criar frestas, rachaduras, alívios.
Finalmente, somos 50% da população mundial e 51,5% no Brasil, com uma diversidade enorme de cor, idades, religiões, orientação e identidade sexual, escolaridades, situação econômica, etc. Acredito que, quando conseguirmos atuar em sintonia, será possível encurtar aqueles 134 anos para acabar com a disparidade de gênero. A divisão entre as mulheres interessa ao opressor, a mais ninguém.
Brindar, celebrar, comemorar nossas conquistas é legítimo e somos merecedoras por todo o caminho que já percorremos. Entretanto, lembra de tudo o que precisamos caminhar. Tamojuntas.
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Foto da Capa: Gerada por IA