Calma, pessoal… não estou pedindo socorro a nenhuma liderança xiita. É que é carnaval e o título aí em cima é a melhor representação da mais irreverente e competente manifestação, que pode ser classificada como político-momesca, repetida em Brasília, uma vez por ano, de 1978 a 1985.
Me refiro à Sociedade Armorial Patafísica Rusticana o Pacotão.
Corria o verão do ano sem graça de 1978. O Brasil ainda sofria a ressaca do Pacote de Abril, um coquetel de autoritarismo que – em 1977 – o general presidente Ernesto Geisel, cujo mandato terminaria em março de 1979, empurrara goela abaixo do Brasil.
O general presidente, todo mundo lembra, atacou o fígado dos brasileiros com o fechamento do Congresso Nacional, a extensão do mandato presidencial para seis anos, a manutenção das eleições indiretas e a criação da figura que ficou conhecida como Senador Biônico eleito, também, de forma indireta.
E assim foi que um belo dia, reunido no hoje extinto Bar Chorão, em Brasília, um grupo de jornalistas – omito os nomes pra não correr o risco de esquecer algum – resolveu criar um bloco carnavalesco. E nasceu a Sociedade Armorial, Patafísica, Rusticana o Pacotão.
O nome não é uma coisa aleatória. Armorial foi um movimento cultural lançado a partir de obras de Ariano Suassuna na década de 1970. Patafísica é a corrente filosófica criada pelo inglês Alfred Jarry, na segunda metade de século 19 e descrita como a ciência das soluções imaginárias. E, como não poderia deixar de ser, os jornalistas homenagearam o general de plantão na Presidência, Ernesto Geisel, e o que o sucederia, João Figueiredo, ambos da Cavalaria, com as palavras Rusticana e Pacotão.
O bloco nasceu provocador. O grupo fundador se autointitulou Politiburo, assumiu função de colégio eleitoral e nomeou um Ditador Eterno e Plenipotenciário da Sociedade Armorial Patafísica e Rusticana o Pacotão. Antes e dar o nome do ditador, abro um parêntese: naquele ano, comandava o setor de turismo do Governo do Distrito Federal, um cidadão chamado Carlos Black que viu no Pacotão uma ferramenta para incrementar o inexistente carnaval brasiliense.
Black fez chegar ao Politburo a informação de que o GDF estava pronto a apoiar financeiramente o bloco e que mandaria fechar a Avenida W3, a mais importante da capital, para o desfile do Pacotão. Fecho parêntese e volto.
Na véspera do desfile, o Politiburo convidou a imprensa para a primeira coletiva do ditador do Pacotão. O nome dele? Charles Preto…Para frustração dos repórteres, o ditador não apareceu. Fora chamado para ajudar na redação do discurso de um senador da oposição. Mas Charles deixou uma nota que foi lida por um integrante do Politiburo: o Pacotão nunca aceitará dinheiro público e desfilará, sempre, na contra-mão.
Assim se deu de 1978 a 1985, que é o período tratado aqui. Naqueles sete aos, o Pacotão ocupou a contramão da W3 com críticas bem bem humoradas à ditadura. Por estranhas coincidências, Charles Preto nunca compareceu a nenhuma entrevista. Sempre, alguma força maior, o tirava do local da entrevista. Tem gente que garante ter visto o ditador do Pacotão em 1983, em Washington, durante a crise econômica causada pela declaração de moratória do Mexico naquele ano.
Mas Charles nunca deixou a imprensa sem resposta. Houve, sempre, um porta-voz. Nunca, ninguém – além de alguns privilegiados do Politiburo, viu o ditador. O que não impediu que várias autoridades, inclusive Carlos Black, respondessem a ele…
Aqui, voltamos ao título deste texto. Em 1978, o general Geisel prometera a abertura lenta e gradual do regime ditatorial imposto ao Brasil em 1964. Em 1979, o Pacotão deu mais um empurrão na porta da ditadura e desfilou com a marcha Aiatolá que dizia; Geisel você nos atolou/ O Figueiredo também vai atolar/ Aiatolá, aiatolá/ Venha nos salvar/ Que esse governo já ficou gagá, ga, ga, gageisel…
Charles Preto, como todos viram é uma figura fictícia. Hoje, um bloco ainda desfila em Brasília com o nome do Pacotão, mas não é nem sombra da velha Sociedade Armorial Patafísica Rusticana o Pacotão, que chegou a arrastar 40 mil foliões, pelas avenidas de Brasília. Tome aí a letra da marcha Aiatolá. Analise os governos que se sucederam a Geisel e Figueiredo e veja quantas vezes dá pra trocar os nomes dos dois generais por nomes de civis que ocuparam a Presidência da República.