(… continuação – leia aqui a Parte 1)
A tendência é que fenômenos climáticos extremos ocorram cada vez com mais frequência e mais fortes devido ao descaso coletivo que ocorre na gestão do clima planetário.
Nosso modelo mundial de gestão tecnológica de energia, tanto dos países capitalistas como dos países comunistas, é uma verdadeira fábrica de criação de ECEX e causa o desequilíbrio do sistema climático planetário ao aquecermos a atmosfera do planeta com a queima de combustíveis fósseis e com o desmatamento.
Explico, de fato, estamos num momento de emergência climática mundial que se manifesta em diversas regiões do mundo.
Com todas as secas, quebra de recordes de calor, estiagens e chuvas torrenciais sucessivas que aconteceram ao redor do globo, 2023 é o ano mais quente dos últimos 125 mil anos diz a ciência 1, 2. A temperatura média global nesse ano esteve ao redor de 1,2°C ultrapassando em alguns momentos a 1,5°C.
A maioria dos gaúchos e catarinenses também estão surpresos com os extremos climáticos: numa atmosfera planetária aquecida ocorreram 3 anos seguidos de seca agravados pela “La Niña” e, posteriormente, as inundações catastróficas pelo “El Niño” no vale do rio Taquarí e em outras regiões desses dois estados e que deixaram, só no RS, 55 mortes e 8 desaparecidos (3).
No artigo publicado por uma dezena de cientistas no Periódico Científico “BioScience”, do American Institute of Biological Sciences, e denominado O Relatório da situação climática de 2023: Entrando num território desconhecido, seus autores se dizem chocados com a ferocidade dos acontecimentos climáticos extremos deste ano 4.
Dizem eles: temos medo do território desconhecido em que agora entramos. As condições vão tornar-se muito angustiantes e potencialmente incontroláveis para grandes regiões do mundo, com o aquecimento esperado de 2,6 ao longo do século -a continuar o cenário atual de diminuições lenta de emissões.
O mesmo grupo de cientistas alerta para o potencial colapso dos sistemas naturais e socioeconômicos num mundo onde enfrentaremos um calor insuportável, fenômenos meteorológicos extremos frequentes, escassez de alimentos e de água doce, aumento do nível do mar, mais doenças emergentes como a COVID-19 e aumento da agitação social e de conflitos geopolíticos (a exemplo de conflitos fronteiriços causados pela tentativa de imigração de multidões).
Precisamos reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Atualmente estamos com o CO2 (gás carbônico), principal gás causador desse efeito, numa concentração atmosférica de 420 ppm (partes por milhão ou 0,042%). Para voltarmos a estar numa zona de segurança climática precisamos voltar a 350 ppm. E nossa temperatura não pode subir muito mais que 1,5 °C.
No mesmo Acordo de Paris, na COP 21, já foi traçado uma trajetória para atingir estes objetivos. Trata-se de reduzir as emissões globais em 45 % até 2030 e zerar as emissões até 2050.
Infelizmente a maioria dos governos nacionais não estão levando a sério esse compromisso, apesar de suas retóricas, pois, mesmo aqueles países que estão se reinventando com o uso da energia solar, da energia eólica e dos biocombustíveis, o ritmo dessa mudança ainda é muito lento e inadequado. Na maioria, os seus governantes possuem uma literal dependência química ao petróleo, gás natural e carvão deixando os seus países praticamente paralisados em relação a mudança da matriz energética e ao aumento do sequestro de carbono através dos diversos métodos de agricultura regenerativa existentes.
A situação brasileira destoa da média internacional. Nossas emissões de GEE são devidas majoritariamente à destruição da nossa natureza (ou em linguagem técnica: alterações do uso da terra) pelo contínuo aumento da fronteira agrícola. Essas emissões somam 73% das emissões totais do pais5.
Para evitarmos novas tempestades destruidoras e termos uma perspectiva futura de qualidade de vida e bem-estar socioeconômico, temos que reduzir globalmente a queima de petróleo, gás e carvão e não desmatar nossas florestas e savanas como a Amazônia e o Cerrado e preservar o que restou do Pampa, inclusive recuperando áreas degradadas por mau uso do solo.
É urgente a adoção dessas medidas e a cobrança aos governos das suas entregas climáticas prometidas nos acordos internacionais.
“Para evitarmos novas tempestades destruidoras e termos uma perspectiva futura de qualidade de vida e bem-estar socioeconômico, temos que reduzir globalmente a queima de petróleo, gás e carvão e não desmatar nossas florestas e savanas como a Amazônia, o Cerrado e preservar o que restou do Pampa.”
Mais do que isso, o sucesso do Acordo de Paris também evitará mais problemas com outros aspectos-chaves do sistema/metabolismo climático planetário. A subida da temperatura nas proporções e na velocidade que está acontecendo o aquecimento global antropogênico pode induzir a liberação de mais carbono na atmosfera:
- Nos solos, turfeiras e pântanos atualmente adormecidos embaixo da camada de gelo permanente existentes sobre porções significativas e rasas do solo congelado da Sibéria e do Canadá, nas zonas mais frias do planeta, em quantidades muito superiores às existentes na atmosfera. Evitar o seu degelo é essencial.
- No assoalho do oceano ártico onde imensas reservas de carbono estão estocadas.
- No caso de perdermos a Amazônia como formação florestal, resultante da sua savanização (transformação em um campo com arbustos) devido a morte das plantas por estresse climático.
Enquanto ainda há tempo precisamos evitar esta cadeia de acontecimentos e voltarmos para a segurança climática planetária!
Precisamos evitar também a provável alteração drástica do clima pela parada da Circulação Meridional do Atlântico, AMOC, na qual faz parte a corrente marítima do golfo do México e que causaria um extremo de calor nos trópicos americanos e o excessivo frio na Europa ocidental. Estimativas iniciais indicam essa possibilidade entre os anos 2025 e 2095, dado o cenário atual de emissões futuras 6.
Enquanto ainda há tempo precisamos evitar esta cadeia de acontecimentos e voltarmos para a zona de segurança climática planetária!
Este assunto é mais do que uma questão ideológica, é um tema ligado a ética: Qual futuro queremos e deixaremos para nós mesmos, nossos filhos e demais descendentes? Seguindo esse caminho, deixaremos um futuro para eles?
Este assunto é mais do que uma questão ideológica, é um tema ligado ética: Qual futuro queremos e deixaremos para nós mesmos, nossos filhos e demais descendentes? Seguindo esse caminho, deixaremos um futuro para eles?
Na prática é tudo uma questão de rompermos essa inercia política fóssil-dependente e pôr em prática, como uma imensa aldeia global, coletivamente, solidariamente, as recomendações da Ciência consolidadas no Acordo de Paris (2015) da 21ª Conferência Climática da ONU e suas atualizações pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), na qual o Brasil e outras centenas de países são signatários.
Referências bibliográficas
(1) Link aqui.
(2) Para termos uma ideia do que isso representa em termos de comparação histórica, o ser humano só vivenciou tal temperatura quando nossos antepassados viviam ainda no continente africano e não tinham ainda ocupado o mundo e os demais continentes. No entanto, as primeiras cidades e centros urbanos só foram constituídos apenas a partir de 4.000 a.C. na região da mesopotâmia, oriente médio.
(3) Link aqui.
(4) William J Ripple, Christopher Wolf, Jillian W Gregg, Johan Rockström, Thomas M Newsome, Beverly E Law, Luiz Marques, Timothy M Lenton, Chi Xu, Saleemul Huq, Leon Simons, Sir David Anthony King, The 2023 state of the climate report: Entering uncharted territory, BioScience, Volume 73, Issue 12, December 2023, Pages 841–850.
(5) Análise das emissões de gases de efeito estufa e suas implicações para as metas climáticas do Brasil 1970-2021.
(6) Ditlevsen, P., Ditlevsen, S. Warning of a forthcoming collapse of the Atlantic meridional overturning circulation. Nat Commun 14, 4254 (2023).
Celso Copstein Waldemar é engenheiro agrônomo e botânico. Servidor aposentado da Prefeitura Municipal de Porto Alegre e ex-gerente do Parque Farroupilha (Redenção). Foi vice-presidente da AGAPAN e é membro do conselho deliberativo da ASTEC (Associação dos Técnicos de Nível Superior do Município de Porto Alegre). Participa do POA INQUIETA – spin Sustentável, Crise do Clima_Plante e Orgânicos. E-mail: celsocww@gmail.com
Foto da Capa: Freepik