Há alguns anos descobri que cravo é a melhor maneira de espantar aquelas formiguinhas da cozinha. Por isso, adotamos álcool com aroma de cravo para retocar as superfícies limpas. Então veio a pandemia e, depois de fazer um litro de álcool 70° com cravo, o consumo ficou tão intenso (quem não lembra de março e abril de 2020, quando fazíamos desinfecção completa e minuciosa das compras antes de guardá-las?), que abri mão do cheirinho. As formiguinhas? Nem sei se voltaram, o coronavírus as suplantou em termos de preocupação.
Recentemente, pouco antes de uma viagem em família, aproveitamos os dias de casa vazia para aspergir álcool devidamente aromatizado com o repelente óleo essencial de cravo por tudo, especialmente nos colchões e travesseiros sem roupa de cama. Como sobrou um tanto do preparo, a partir de então nosso desinfetante ficou perfumado novamente.
Outro dia, enquanto passava pano com álcool sobre o tampo de pedra da pia da cozinha, fiquei alguns minutos parada sobre o tapetinho multicolorido tentando situar aquela sensação simultânea de aperto no peito e afeto intenso. Foi quando entendi: o cheiro me levou de volta àqueles primeiros dias de reclusão e incertezas.
Primeiro, me detive à sensação de afeto. Por quê, mesmo? Porque passei os primeiros 30, 60 dias da pandemia abraçada e apegada: ao marido, à filha, às cachorras. O círculo restritíssimo com quem tinha contato. Era quem podia ter ao meu lado sem corrermos os riscos que nem sequer sabíamos exatamente quais eram. E também voltei a ter aquele sentimento de gratidão que tomava conta de mim sempre que fazia uma chamada com alguém da família ou algum amigo querido e sabia que estavam bem, apesar de tudo.
E o aperto no coração? Esse vinha da angústia de não imaginar o que aconteceria nos próximos dias, semanas, meses. Uma sensação intensa e desgastante, que ainda cobra seu preço na saúde mental de todos nós. Por gostar tanto do cheiro, resolvi arquivar a sensação desagradável em algum arquivo morto mental e manter apenas a outra, amena. Afinal, estamos vivos. Agora, todos os próximos a mim estão vacinados. Tivemos perdas importantes, mas os que aqui ainda estamos, seguimos, levando a vida da melhor maneira.
E agora?
Há algumas semanas, porém, depois de uma sensação de que estávamos de fato voltando ao “velho normal” (cheguei até a andar de elevador e circular em ambientes fechados e com circulação de ar ruim sem nem pensar em usar máscara), o espectro da Covid-19 voltou a nos assombrar. Com espanto, descobri que milhões de pessoas ainda não fizeram o ciclo completo de doses da vacina. Como pode?
O álcool com cheiro de cravo voltou a ganhar protagonismo em casa. Nem tanto pela necessidade de desinfecção (já sabemos que o contato não tem tanta relevância na transmissão), mas por apego à impressão de esperança. Nesta nova fase da pandemia (sempre se soube que ela não iria embora cedo, afinal), cuidemo-nos, pois. Não apenas para não sermos contaminados pelo vírus, mas para nos mantermos mentalmente sãos.