Pode parecer simples, mas nem toda mulher está apta a ser uma mulher de conteúdo. Sabe por quê? Porque não tem relação com o gênero, menos ainda com o rótulo ou com a embalagem. Para ser uma mulher de conteúdo é preciso ter conhecimento e reconhecimento. No título da apresentação que farei no BusinessWoman, evento que vai reunir uma rede de mulheres líderes de negócios em Porto Alegre, uso a estratégia de jogar a isca para pescar peixes esfomeados. O nome da palestra é o mesmo deste texto: “Três passos para se tornar uma mulher de conteúdo”. Reconheço a simplificação exagerada, com pitadas de ironia, que cometi ao nomeá-la. Ainda assim, não deixarei de citar esses três degraus, os quais muitas mulheres – e homens – passam a vida inteira sem percorrer.
O primeiro passo é conquistar a autenticidade para ser quem se é e saber o que se sabe. Acontece desde cedo na vida das meninas: são ensinadas a serem comportadas, delicadas, frágeis. Sente-se como uma menina! Brinque como uma menina! Vista-se como uma menina! Por quê? É a busca da distinção social entre os gêneros. Meninos são fortes, meninas frágeis. Meninos são gênios, meninas são bonequinhas. Meninos são azul, meninas são rosa. Meninos sobem em árvores, mulheres brincam de casinha. É de cedo que os papéis sociais começam a ser desenhados na nossa sociedade e condicionam a identidade e autopercepção em relação ao gênero.
Um artigo científico publicado pela Revista Science em 2017 mostra o resultado de um experimento internacional realizado com meninas na primeira infância para identificar estereótipos de gênero. O estudo parte do pressuposto de que os estereótipos comuns associam habilidades intelectuais de alto nível como brilho e genialidade mais aos homens do que às mulheres. Esses estereótipos desencorajam a busca das mulheres por posições de destaque na sociedade. A pesquisa mostra que as meninas começam a se perceber menos capazes que os meninos bem cedo: aos SEIS ANOS DE IDADE. Meninas de seis anos já evitam praticar atividades consideradas para crianças “muito, muito inteligentes”. Os resultados da pesquisa sugerem que as noções de genialidade de gênero são adquiridas cedo. Ou seja, a menina passa a ser aquilo que a sociedade espera que ela seja e não necessariamente aquilo que ela deseja ser. Portanto, a busca pela autenticidade pode significar para muitas mulheres a negação delas mesmas, da menina que um dia foram. Uma mulher de conteúdo autêntica precisa primeiro deixar a menina no passado.
O segundo passo a ser perseguido é a conquista do status de autoridade, o reconhecimento do outro para a sua legitimidade e autenticidade. O sociólogo Max Weber certa vez descreveu três tipos de autoridade: a carismática, a racional e a tradicional. O carisma tem relação com a construção de um imaginário de fé, heroísmo, revelação, superioridade associada ao líder. “É autoridade porque tem talento”. O racional está no conhecimento científico, na experiência prática comprovada, estrutura legal, documental, técnica e até na gestão governamental (políticos e polícia, por exemplo). “É autoridade porque foi eleita”. E a tradicional é aquela autoridade que perpassa o tempo e, portanto, é reconhecida como tal por gerações; são as normas da tradição: “É autoridade porque sempre foi”.
As mulheres saem em desvantagem na busca pela autoridade porque a tradição cultural aponta justamente na direção oposta. Ainda que as mulheres possam ser carismáticas, esta é uma qualidade atribuída mais aos homens. Faça o exercício e peça ao Google ou ao ChatGPT exemplos de líderes carismáticos. As minhas respostas foram Martin Luther King, Steve Jobs, Papa Francisco, Barack Obama. Quando pedi pelo recorte de brasileiros, apareceu a primeira mulher: Luiza Helena Trajano em uma antiga listagem de 100 nomes elaborada pelo portal Exame. Ou seja, para a mulher a comprovação da autoridade é muita transpiração: diploma, curso, certificação, cargo, promoção, experiência. A mulher precisa comprovar de forma legítima que é capaz, que dá conta, que tem conhecimento, que é competente para ganhar autoridade.
O terceiro passo é dar visibilidade para a autenticidade e a autoridade. E este pode parecer o menor dos desafios para a mulher que já se provou autêntica e foi reconhecida como autoridade, mas talvez seja a maior das dores. Isso porque vivemos a era em que muitos falam e poucos comunicam. Para ganhar visibilidade a mulher de conteúdo precisa se tornar uma comunicadora eficiente e por meio da comunicação construir a reputação. A reputação é a opinião do outro sobre uma pessoa ou marca. Sabe o site Reclame Aqui? Pois é, não sei como não inventaram um Reclame Aqui personalidades, uma ferramenta para mensurar reputação de figuras públicas.
O fato é que a reputação está na relação com o outro, nas redes sociais – sejam físicas ou online. Porém a reputação é atribuída por pessoas próximas, dos laços fortes e consolidados, aquelas pessoas com quem mais se convive, com quem se trabalhou perto, com quem se estudou e conviveu. A distinção só vai acontecer quando o reconhecimento da reputação alcançar um laço mais fraco, ou seja, for percebido por uma pessoa que não pertence ao círculo de laços fortes.
Os laços fracos chegam pela leitura de um texto nosso, pela presença em uma palestra, por uma conversa informal ou mesmo por uma recomendação em determinada área do conhecimento. A força do laço fraco, um conceito científico de Granovetter, está no potencial das novas relações. As plataformas de redes sociais têm em mãos as duas dinâmicas das relações sociais: a calibragem dos grupos de laços fortes e os caminhos estruturais para alcançar os laços fracos. Portanto, se você desconfia que os seus canais hoje estão fechados em laços fortes, você não está sozinho. Tiktok, LinkedIn, Instagram, YouTube nos jogam para os círculos restritos porque nos cobram dinheiro para que possamos chegar até os laços fracos.
Você pode se perguntar como sair da armadilha social do paradoxo relacional forte-fraco. Uma mulher de conteúdo saberá buscar as melhores respostas a partir da pergunta: como construo minha reputação? Mas é preciso antes começar pelo começo: entender e reconhecer que lugar de mulher é onde ela quiser. Você deve ter lido esta expressão em uma rede social, ouvido em um comercial de rádio ou programa de televisão. A repetição desta máxima contemporânea refuta o estereótipo histórico do gênero feminino: lugar da mulher é na cozinha, é atrás de um grande homem, é no cuidado com os filhos para o homem poder trabalhar. Os estereótipos de gênero são uma convenção social secular, e para transformá-los, precisamos de mais vozes, de mais espaços de fala, de muitas mais mulheres de conteúdo.
Foto da Capa: George Milton / Pexels