Nem só de críticas ao Brasil vive esta coluna. Hoje, é dia de elogiar o mindset digital brasileiro.
Obviamente, estamos muito atrás de países asiáticos, mas, convivendo com governos e empresas europeias, fica evidente a superioridade das competências digitais do Brasil. Por aqui, muito por conta da autonomia dada a pequenas localidades, o processo de digitalização das pessoas e instituições está muito atrasado.
Em Portugal, por exemplo, documentos digitais (como o e-título e a carteira de motorista digital) são coisas impensáveis. O Estado português engatinha rumo à digitalização, enquanto funcionários públicos exigem pilhas e pilhas de documentos originais e cópias. Aqui em casa, brincamos que eles precisam alugar uma parte da Espanha para guardar as toneladas de folhas e papelinhos que juntam todos os dias.
Na Suíça, país avançado em legislação bancária, cada um dos 26 cantões tem seu próprio (e fechado) sistema administrativo. Com isso, ao se mudar de um cantão para outro, é preciso apresentar toda a sua documentação. Quitação de impostos, autorização para dirigir, autorização para ter animal de estimação, tudo precisa ser apresentado fisicamente e validado pelas autoridades responsáveis pelo novo endereço.
Eles estão tentando mudar, mas ainda tem muito chão pela frente. Por enquanto, o que vejo por aqui é um cenário de imaturidade para investir em serviços e produtos digitais que no Brasil são projetos corriqueiros.
Sites sem versão mobile, segurança precária, UX de 1900 e guaraná com rolha, aqui é mato. Discussões sobre Omnichannel – que encerramos já tem uns 5 anos – estão chegando em terras lusas por esses dias. É como viver no filme De Volta para o Futuro: me vejo 20 anos atrás, apresentando propostas digitais para executivos que não acreditavam na Internet.
Mas, talvez, a principal diferença entre Brasil e Portugal seja o fato de que aqui a transformação digital é pauta do governo. Mesmo com empresários relutantes, a inclusão em um mundo movido por dados é uma obsessão do Partido Socialista, o PS, que governou Portugal 19 anos nos últimos 25 anos.
Esta semana, o primeiro-ministro António Costa abriu o Fórum Nacional das Competências Digitais, no Instituto Universitário de Lisboa. Em seu discurso, nomeou a transição digital como a “primeira grande revolução para a qual Portugal parte sem estar numa posição de desvantagem”.
Segundo ele, essa é uma revolução industrial que não depende da matéria-prima, onde a localização geográfica não é decisiva. Mas é necessário qualificar pessoas, empresas e Estado para aproveitar esta oportunidade.
Para isso, o Governo está a preparar a infraestrutura e as pessoas. Cabeamento, 5G, digitalização do ensino e do Estado. Tudo está nos planos a serem executados até 2030.
No Brasil, somos vanguarda em várias áreas, podendo exportar metodologia, mindset, profissionais. Resta saber se seremos capazes de aproveitar esta oportunidade e se não seremos só isso: exportadores de commodities, que, no longo prazo, exaurem suas reservas e enriquecem a metrópole.