Precisamos saber como agir em caso de eventos extremos, interpretar o que a natureza está indicando. É uma questão de sobrevivência em tempo de crise climática!
Não sei o que é mais tocante: acompanhar no noticiário da TV as histórias de quem conseguiu sobreviver à enxurrada, ver as pessoas desesperadas atrás de seus familiares desaparecidos ou sentir o quanto os governos estão atrasados para enfrentar a crise climática. É uma sensação de impotência, misturada com indignação. Difícil nominar. É horrível ver tanta destruição no Vale do Taquari. Complicado saber que toda essa água vai desaguar no Guaíba e que ainda tem gente que defende a ocupação das Áreas de Preservação Permanente (APPs), como margens de rios.
Para evitar mais estragos lá ou em outras áreas do Estado, precisamos exigir conhecimento, conscientização do que significa a localização geográfica do Rio Grande do Sul. Isso exige alfabetização climática! Já perdi as contas de quantas vezes ouvi cientistas alertarem que os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina são os que mais irão sofrer com o aumento da frequência e a intensidade de eventos extremos devido ao agravamento da crise climática. E também nem sei mais quantas vezes escrevi sobre isso. Clique aqui, para conferir. Em 2019 e 2020, estive na organização de cursos para jornalistas sobre o papel da imprensa diante da crise climática. É muito desgastante acompanhar o que a Ciência aponta e constatar o quanto os governos, tomadores de decisão estão indo em direção contrária.
Há bem pouco tempo, a ocorrência de ciclones, temporais avassaladores não era algo tão comum. Mas, neste ano, quantos episódios já aconteceram no Estado? E se está virando corriqueiro, é urgente a implantação de políticas públicas para o enfrentamento e a adaptação às mudanças climáticas. O relatório do IPCC deste ano tratou disso, veja as principais considerações aqui.
Pressão pela falta de controle
Nos últimos anos, a pressão contra a preservação do meio ambiente, através do ataque aos próprios sistemas de proteção ambiental vem sendo algo institucionalizado (desmantelamento do Código Estadual de Meio Ambiente, falta de servidores para a fiscalização, ausência de interesse político em controle ambiental etc). Isso só piora o cenário diante dos desafios do agravamento da crise climática. Isso talvez tenha começado com a campanha para enfraquecer o Código Florestal (a pressão do agro desde governo Dilma). O fato é que aquilo que os cientistas estavam chamando a atenção que aconteceria daqui alguns anos, já está acontecendo agora.
Evento para esclarecer comunidade
No sábado, dia 2 de setembro, estive presente em um evento promovido pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS) sobre mudanças climáticas. Vale conferir o que os cientistas Carlos Nobre e Francisco Aquino vem explicando sobre os efeitos da “ebulição climática,” clique aqui.
As perguntas que fiz para os pesquisadores, eles não responderam. Talvez não soubessem o que dizer. Porque quanto mais ficamos por dentro do tema, mais percebemos o quanto há falta de respostas. Indaguei como o Ministério da Educação, as universidades estariam incluindo conteúdos sobre a crise climática nos currículos de cursos como engenharia, arquitetura. Outra pergunta foi se os governos procuram os pesquisadores para saber sobre o contexto climático. Porto Alegre reúne um bom número de pesquisadores sobre o assunto, pois é onde fica o Centro Polar e Climático da UFRGS. No entanto, apesar disso, nem prefeituras, nem governo do Estado aproveitam a oportunidade de estar próximo de tanta produção de conhecimento.
O Carlos Nobre, um dos cientistas mais renomados sobre Clima do País, apenas citou a necessidade de trabalhar melhor da pauta no ensino médio. E aí surge outro incômodo: quem vai capacitar professores para isso?
Não dá para só ficarmos reclamando e apontando culpados diante dos fatos. As pessoas precisam se virar, aprender como agir em caso de eventos extremos. Difícil imaginar o desespero de quem estava dentro de uma casa que a água foi subindo, quando precisariam ter saído? Foi o que aconteceu em Muçum. Mais do que manuais, cartilhas, avisos de SMS, é preciso orientar a população sobre como proceder em casos de eventos extremos! Precisamos aprender com os países onde é comum a ocorrência de furacões. Veja o que traz a página da Defesa Civil no RS.
Educação para o maior desafio da história
No site Porvir, há conteúdos sobre como encarar esse tema espinhoso. Pois, muitas vezes, os governos, a mídia, a sociedade, só se preocupam com isso depois de muita destruição, mortes, calamidades públicas. A crise climática afeta tudo: economia, comportamento, saúde, simplesmente tudo.
Gostei bastante do artigo assinado pelo Edson Grandisoli, de janeiro de 2021. Ele defende o quanto um currículo que estimula a interdisciplinaridade e o desenvolvimento de competências pode se transformar em um polo de criatividade e construção de novos conhecimentos sobre as mudanças no planeta.
Para Grandisoli, é fundamental estruturar um currículo através de uma lógica horizontal (que estimula a interdisciplinaridade) e uma vertical (visando progressão lógica e complexa). Tudo isso precisa considerar quatro pontos fundamentais:
Informação: valorização do papel da ciência, dos cientistas, e das formas de construção desse conhecimento baseado em investigação e busca por evidências.
Adaptação: compreensão dos impactos, vulnerabilidades e a importância das ações locais e globais baseadas nos mecanismos de redução de risco de desastres e preservação da vida.
Mitigação: busca por novos modelos civilizatórios que reduzam a dependência dos combustíveis fósseis e estabelecimento de novos propósitos de vida.
Comunicação: divulgação de práticas inovadoras, ampliando o círculo de corresponsabilização na busca de soluções para as mudanças climáticas.
Ou seja, temos um longo, sinuoso e pedregoso caminho pela frente. Precisamos de alfabetização climática. Não dá para esperar o letramento só pelas escolas. Um caminho pode começar por você. Já perguntou para as pessoas que você convive o que elas sabem sobre o assunto? Isso precisa chegar também aos parlamentos, aos governos. Em pleno século XXI estarmos nas mãos de analfabetos ambientais é duro demais. Pode significar a nossa sobrevivência.
Pois já temos pesquisas, estudos que alertam sobre os riscos que corremos. Você conhece o Cemaden? Aliás, você sabia que dias antes da enxurrada a Metsul havia avisado sobre o volume de chuvas na região do vale do Taquari? Ou seja, estamos diante de uma encruzilhada civilizatória e as pessoas estão acreditando no que querem. Os governos também. Cabe a quem tem discernimento ir atrás de informações confiáveis, porque se entre o Homo sapiens há muitos “interesses”, no funcionamento da natureza, estão por trás leis da física, da química. E ninguém deveria discutir se existe lei da gravidade, né?
Foto da Capa: Corpo de Bombeiros/RS