Alienação fiduciária é um tipo de garantia contratual, cada vez mais usada para a compra de imóveis financiados e de outros bens móveis, como carros. Ela é um negócio jurídico pelo qual o fiduciante (devedor), com o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiro, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel ou móvel. Em palavras mais simples, ela é uma garantia de pagamento, por meio do qual o devedor transfere a propriedade e a posse indireta do bem para o credor, até que toda a dívida seja paga. Se ele não pagar, cumpridos alguns requisitos legais, o credor consolida sua propriedade e vende o bem, por meio de leilão, para com isso receber seu pagamento.
Por razões óbvias é um dos meios de garantia mais exigidos pelos financiadores. Ela é muito mais vantajosa do que uma hipoteca, pois na hipoteca o devedor mantém a propriedade do bem dado em garantia, e os credores acabam dependendo de caros e demorados processos judiciais, para finalmente poder vender o bem e receber seus créditos. Na alienação fiduciária o caminho a percorrer é muito mais rápido. Além disso, diferente do bem hipotecado que pode estar sujeito a garantia de créditos de vários credores, na alienação fiduciária o bem já está no nome do credor.
A lei que trata da alienação fiduciária para o financiamento imobiliário é a Lei nº 9.514/97, que determina que os contratos que envolvam alienação fiduciária, precisam ser celebrados por escrito, por meio de escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.
Cumpre destacar que o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) diferencia-se do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) porque no SFI é permitida a livre negociação entre a instituição financeira e o cliente com relação aos juros, e a utilização da alienação fiduciária como garantia contratual, enquanto que no SFH a garantia utilizada é a hipoteca e pode-se utilizar o FGTS para pagamento.
A alienação fiduciária pode ser contratada por pessoa física ou jurídica, ela não é privativa das entidades que operam o Sistema Financeiro Imobiliário, e ela pode ter como objeto, além da propriedade plena:
I – bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário
II – o direito de uso especial para fins de moradia
III – o direito real de uso, desde que suscetível de alienação;
IV – a propriedade superficiária.
V – os direitos oriundos da imissão provisória na posse, quando concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou às suas entidades delegadas, e a respectiva cessão e promessa de cessão;
VI – os bens que, não constituindo partes integrantes do imóvel, destinam-se, de modo duradouro, ao uso ou ao serviço deste.
Um grande risco para o devedor, e por outro lado, uma grande segurança para o credor, é que o inadimplemento de quaisquer das obrigações garantidas pela propriedade fiduciária permitirá que o credor declare vencidas as demais obrigações de que for titular garantidas pelo mesmo bem.
Vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, e constituídos em mora o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante, será consolidada, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário, ou seja, o credor se torna o único e pleno proprietário do bem dado em garantia.
Essa possibilidade das instituições financeiras poderem retomar o imóvel registrado em seu nome, mediante simples consolidação da propriedade no registro imobiliário, e poder vendê-lo para obter os recursos necessários para o pagamento dos seus créditos, acabou sendo judicializada, sob o argumento de que seria inconstitucional, pois haveria “uma forma violenta de cobrança extrajudicial, incompatível com os princípios do Juiz natural, do contraditório e do devido processo legal, uma vez que permite seja o devedor desapossado do imóvel financiado, antes que possa exercitar qualquer defesa.”
Por outro lado, como publicado no Boletim de Outubro de 2023, do STF EM FOCO, doutrinadores como Farias e Rosenvald, entendem que “A grande facilitação da retomada e consolidação da propriedade do imóvel pelo credor, em caso de inadimplemento, inclusive com a dispensa do processo – ao contrário da lenta execução que ocorre no sistema hipotecário torna-se um fator de estímulo à construção civil, pois incita o financiador a buscar a atividade cujo risco é mitigado pelo ordenamento jurídico, pela célere recuperação do crédito, reflexamente, esta confiança conduzirá a uma redução das taxas de juros, muito influenciadas pelo fator de risco”.
O fato é que, em 2009, foi ajuizada uma ação para anular um processo de execução extrajudicial em razão da inadimplência do devedor com a consolidação da propriedade do imóvel em favor da instituição financeira em 2007, em que se alegou, em síntese, a inconstitucionalidade da consolidação da propriedade. Em todas as instâncias essa ação que postulava a anulação da execução extrajudicial foi julgada improcede, e o processo acabou chegando ao STF, que por maioria, julgou constitucional os dispositivos da Lei 9.511/1997, que facilita a execução extrajudicial nas hipóteses de alienação fiduciária em garantia no SFI.
Conforme divulgado pelo STF EM FOCO, relator do processo foi o Ministro Fux, que entendeu que a execução extrajudicial porque não afasta o controle judicial porque, se houver alguma irregularidade, o devedor poderá, a qualquer tempo, acionar a justiça para proteger seus direito; não se trata de procedimento aleatório ou unilateral das instituições credoras, pois os requisitos do contrato tiveram consentimento expresso das partes; e a declaração de inconstitucionalidade aumentaria o custo das operações de crédito imobiliário, e em consequência o déficit habitacional no país.
Os ministros vencidos, Fachin e Cármen Lúcia, entenderam de forma diversa, que o procedimento extrajudicial restringe de forma desproporcional o âmbito de proteção ao direito fundamental à moradia, além de afrontar os princípios do devido processo legal, acesso à justiça e do juiz natural.
Entendo que os dois pontos de vista têm argumentos consistentes, mas em se tratando o direito a moradia, me parece mais adequado com o respeito a dignidade da pessoa humana, o entendimento minoritário. E você o que pensa sobre isso?