O termo “Alienação Parental” foi cunhado por um psiquiatra norte-americano, Richard Gardner, que na década de 1980 identificou a “Síndrome da Alienação Parental – SAP, a qual, de forma sintética, podemos definir como o alijamento de um dos pais causado pelo outro genitor, ou quem o represente, que tenta criar na cabeça do filho uma imagem negativa do pai ou da mãe com intuito de afastá-lo de um ou de outro pelas mais variadas razões, mas, de forma geral, ainda que de forma inconsciente.
A alienação parental ocorre e se manifesta de diversas formas, e pode também significar um desamparo, um desamor, um abandono, causando-lhe uma terrível insegurança, dor, raiva, enfim, um tremendo abalo afetivo e moral, e em muitos casos inclusive material. Em alguns filhos, a alienação parental pode causar um sentimento de “desfiliação”, que algumas vezes repercutirá nas relações que tiver com seus dois genitores no futuro, pois sua mágoa, dor, quiçá ódio, poderá se dirigir a ambos, tanto ao genitor alienador quanto ao genitor alienado que não lutou para estar presente. É preciso que os pais entendam que a principal vítima sempre será o próprio filho, que pode ter a sua saúde mental abalada, suas relações com outras pessoas afetadas, e até mesmo ter esta situação reproduzida quando se tornar pai, já que “o exemplo arrasta”.
No Brasil, a Lei 12.318, de 13 de julho de 1990, que dispõe especificamente sobre a alienação parental, define como:
“A interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.”
Esta lei exemplifica como alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com o genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Muito importante, esta lei evidencia que um ato de alienação parental fere o direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. Obviamente, esta lei também aplica-se aos adotantes, pois eles são tão pais ou mães quanto os biológicos.
A ação de alienação parental terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
Assegurar-se-á à criança ou ao adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida no fórum em que tramita a ação ou em entidades conveniadas com a Justiça, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.
Verificado indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial. O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
Esta perícia será realizada por profissional perito ou equipe multidisciplinar habilitada, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental, e o perito ou a equipe multidisciplinar terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada. No caso de ausência ou insuficiência de serventuários responsáveis pela realização de estudo psicológico, biopsicossocial ou qualquer outra espécie de avaliação técnica exigida por esta Lei, ou por determinação judicial, a autoridade judiciária poderá proceder à nomeação de perito com qualificação e experiência pertinentes ao tema.
Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III – estipular multa ao alienador;
IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
Se houver mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.
Uma importante inclusão normativa, que ocorreu em 2022, foi que o acompanhamento psicológico ou o biopsicossocial deve ser submetido a avaliações periódicas, com a emissão, pelo menos, de um laudo inicial, que contenha a avaliação do caso e o indicativo da metodologia a ser empregada, e de um laudo final, ao término do acompanhamento
Um dos pontos mais importantes desta lei que trata da alienação parental, é que a atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao pai ou a mãe que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada.
Vale destacar que a alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial.
Como a grande causa da alienação parental é a mágoa, o ressentimento, a ferida narcísica, até a dor de cotovelo, sentimentos que alimentam o ódio, ela é muito difícil de ser combatida e neutralizada. Nem todo mundo tem maturidade e até recursos econômicos para procurarem uma terapia, uma análise, o que torna muito difícil a possibilidade de uma guarda compartilhada, que pela sua natureza dificultaria uma alienação parental.
Os casos mais comuns são aqueles em que pais ou mães que quando se separam ou se divorciam, ainda que com uma certa idade, voltam a adolescência, focam principalmente na sua nova vida de “solteiro”, ficam sem tempo para conviver com os filhos, causando-lhes imensas mágoas, um sentimento de rejeição e de abandono. Outra situação também muito comum, é quando os pais passam a se relacionar com outra pessoa, que para piorar pode ter sido uma das causas da separação, e não respeitam o tempo dos filhos para assimilarem tantas mudanças, ou ficam tão absorvidos pela nova relação que “não sobra tempo para dar atenção aos filhos”. Outrossim, também existem pais e mães que descontam nos filhos o ressentimento, a mágoa que nutrem pelo “ex-amor”, e desse modo passam a agredir os filhos para causar alguma reação no “ex” ou na “ex”, causando o paulatino afastamento e sofrimento dos filhos. Há também pais que terceirizam a criação dos seus filhos, deixam os filhos, ainda que de tenra idade, aos cuidados dos avós e vão cuidar das suas próprias vidas, muitas vezes longe dos filhos, gerando um trauma duplo na criança. E o que é pior, não raro o autoalienado, ainda se considera vítima quando a criança ou adolescente se revolta com ele, não consegue verificar que foi o algoz da criança ou do adolescente.
Importante ressaltar que a alienação parental pode, dentre outras consequências, gerar a responsabilidade civil do alienador, e pode gerar também a extinção da obrigação de alimentos devida ao cônjuge alienador. O dano causado pela alienação parental é um dano imaterial, pois abala o aparelho psíquico dos filhos, e há inegavelmente um dano moral, que deve ser indenizado independentemente de culpa, basta o nexo causal entre a conduta do alienante e o abalo psicológico sofrido em razão disso.
A alienação parental também pode acontecer contra idosos, e são muitos os casos em que filhos ou um dos pais da criança proíbe o contato dos netos com os avós, como uma forma de puni-los, de maltratá-los, cujos motivos com frequência são de origem financeira, não aceitação dos novos cônjuges ou companheiros dos avós, mágoas, e até vinganças. Esta aplicação da alienação parental por analogia, uma vez que o Estatuto do Idoso determina que nenhum idoso será objeto de discriminação, violência, crueldade ou opressão, e alienação parental viola frontalmente esses direitos, ainda que de forma omissiva. Sobre a violência contra o idoso, vale dar uma lida no artigo que publiquei aqui na Sler, em 05 de fevereiro de 2024.
Conforme leciona Rodrigo da Cunha Pereira, no livro “Direito das Famílias”, 4ª edição, Editora Forense, “não é apenas o pai ou a mãe que aliena crianças/adolescentes. Este fenômeno é comum também na sua relação inversa, ou seja, os filhos alienarem os pais idosos de outros filhos, seus irmãos. Mas não apenas filhos em relação aos pais e vice-versa. A alienação parental pode dar em toda família extensa, com avós, tios, etc.”
Outrossim, conforme ensina Rodrigo da Cunha Pereira, a lei da alienação parental também pode ser aplicada, analogicamente, para proteger a pessoa com deficiência, principalmente aquelas curateladas, sobre as quais publiquei um artigo aqui na Sler na semana passada, pois o Estatuto da Pessoa com Deficiência determina que a deficiência não exclui a plena capacidade civil para o exercício da convivência familiar. Uma forma de evitar essa alienação parental é o estabelecimento de uma curatela compartilhada.
A Reforma do Código Civil, que está em andamento, pode revogar a questão que dispõe sobre a alienação parental. Há uma pressão grande, principalmente das mulheres, que consideram essa lei injusta, impregnada da visão do “patriarcado”, algo que permite que o pai da criança use para pressioná-las, para infernizá-las, para vinganças pessoais. Todavia, esta lei vem sendo muito aplicada também contra pais, e bem aplicada, esta lei é muito justa. Nenhum pai ou mãe pode intencionalmente, sem fundada razão, retirar do filho ou da filha o direito de conviver com uma figura tão importante. Considero uma lástima caso a lei seja revogada.
Ademais, os críticos desta lei esquecem que, ainda que ela também busque proteger o pai ou a mãe que injustamente está sendo alijado do convívio com seu filho ou tendo sua imagem denegrida, o principal beneficiado e protegido pela lei são os filhos, as crianças e adolescentes, que tem o direito de conviver e desenvolver uma relação saudável com o seu pai ou com a sua mãe, o que será muito importante para o resto da vida deles, e poderá refletir inclusive no modo como se relacionarão, no futuro com as pessoas com quem tiverem filhos, sejam adotivos ou biológicos.
Finalizando, a Lei brasileira, diferentemente da lei mexicana a respeito, não considerou a Síndrome da Alienação Parental como fundamento para suas estipulações, mas sim a prática de atos que caracterizam a alienação parental. Deste modo, as alegações de que esta lei teria como fundamento uma doença sem comprovação científica não fazem o menor sentido.
Foto da Capa: Freepik
Mais textos de Marcelo Terra Camargo: Clique Aqui.