Ser proprietário de um apartamento em um condomínio residencial tem suas vantagens e desvantagens. Se por um lado os custos com a portaria, segurança, manutenção, paisagismo, com áreas esportivas, piscinas, salões de festas, empregados, consertos e reformas das áreas comuns podem ser rateados, ficamos sujeitos, muitas vezes, às condições financeiras e a boa vontade dos demais moradores, para fazermos qualquer modificação que altere a fachada do imóvel, em razão do disposto na Lei Condominial, no Código Civil e na Convenção do Condomínio.
Ademais, além da visão sobre o que é bom e bonito, sobre o que fica harmônico, sobre o que valoriza ou desvaloriza um imóvel, ser muito subjetiva e sujeita a uma série de influências e pontos de vistas conflitantes, muitas vezes as diferenças econômicas fazem com que determinados moradores sejam avessos a reformas ou modificações, porque não têm condições de suportarem um aumento nos encargos condominiais, e outros queiram fazer mudanças com custos exorbitantes para grande número dos moradores daquele prédio, tentando transformá-lo em um imóvel com padrão superior ao do próprio lançamento.
Para piorar, muitos prédios, embora a lei disponha que deva existir, não têm a respectiva convenção do condomínio, e alguns moradores mais antigos pensam que são mais proprietários do que os outros, esquecem que não moram em casas ou que não são donos da totalidade dos prédios, que são apenas proprietários de apartamentos, salas, escritórios, salas ou sobrelojas de um condomínio que tem outros condôminos.
Geralmente, os condomínios têm uma Convenção que disciplina sobre os mais diversos aspectos da vida condominial, que, juntamente com a própria lei condominial e o Código Civil, devem ser observados pelos condôminos e demais moradores. Vale salientar que o disposto em lei se sobrepõe ao que é disposto na Convenção do Condomínio, ou a o que é imposto unilateralmente por um pequeno grupo, em detrimento da vontade de outro.
Até mesmo o entendimento sobre o que é uma fachada ou uma alteração de fachada pode ser difícil e, infelizmente, com frequência, medidas judiciais precisam ser tomadas em face do condomínio e dos demais moradores.
O que é uma alteração de fachada?
Uma fachada pode ser externa ou interna. A fachada externa é o que se vê de um prédio, em toda a área externa do condomínio, e compreende as portas, paredes, janelas, sacadas, esquadrias, portões, escadarias, enfim, tudo aquilo que é perceptível visualmente, seja à frente, as laterais ou os fundos de um edifício. A fachada interna é constituída pela entrada e saída do edifício, pelos corredores, escadarias, salões, garagens, academias, áreas de jogos, salões de festas, brinquedotecas internas, churrasqueiras, áreas gourmet, ou seja, tudo aquilo que é perceptível visualmente nas áreas internas.
O que dispõem o Código Civil e a Lei 4.591/64, sobre a alteração de fachadas?
O Código Civil, no Art. 1.336, determina que é um dos deveres do condômino não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas.
Outrossim, a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, determina que é defeso a qualquer condômino (i) alterar a forma externa da fachada e (ii) decorar as partes e esquadriais externas com tonalidades ou cores diversas das empregadas no conjunto da edificação.
Esta lei também estabelece que o transgressor ficará sujeito ao pagamento de multa prevista na convenção ou no regulamento do condomínio, além de ser compelido a desfazer a obra ou abster-se da prática do ato, cabendo, ao síndico, com autorização judicial, mandar desmanchá-la, à custa do transgressor, se este não a desfizer no prazo que lhe for estipulado. Como se vê, é uma obrigação do síndico mandar desmanchar uma obra que altere fachada e não tenha sido devidamente autorizada.
Além disso, a lei determina que o proprietário ou titular de direito à aquisição de unidade poderá fazer obra, ou modificar sua fachada, se obtiver a aquiescência da unanimidade dos condôminos. Assim, é imprescindível uma autorização em assembleia, em cuja convocação deverá estar bem claro que este tema será submetido à deliberação dos condôminos.
De acordo com o Código Civil, o condômino que alterar uma fachada sem a autorização unânime da assembleia, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem. Se não houver convenção do condomínio ou disposição expressa na convenção, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.
Vale transcrever importante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 1483733/RJ, 2012/0042763, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 01/09/2015:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. ALTERAÇÃO DE FACHADA. ESQUADRIAS EXTERNAS. COR DIVERSA DA ORIGINAL. ART. 1.336, III, DO CÓDIGO CIVIL. ART. 10 DA LEI Nº 4.591/1964. VIOLAÇÃO CARACTERIZADA. ANUÊNCIA DA INTEGRALIDADE DOS CONDÔMINOS. REQUISITO NÃO CUMPRIDO.
DESFAZIMENTO DA OBRA.
1. Cuida-se de ação ajuizada contra condômino para desfazimento de obra que alterou a fachada de edifício residencial, modificando as cores originais das esquadrias (de preto para branco).
2. A instância ordinária admitiu a modificação da fachada pelo fato de ser pouco perceptível a partir da vista da rua e por não acarretar prejuízo direto no valor dos demais imóveis do condomínio.
3. Os arts. 1.336, III, do Código Civil e 10 da Lei nº 4.591/1964 traçam critérios objetivos bastante claros a respeito de alterações na fachada de condomínios edilícios, os quais devem ser observados por todos os condôminos indistintamente.
4. É possível a modificação de fachada desde que autorizada pela unanimidade dos condôminos (art. 10, § 2º, da Lei nº 4.591/1946).
Requisito não cumprido na hipótese.
5. Fachada não é somente aquilo que pode ser visualizado do térreo, mas compreende todas as faces de um imóvel: frontal ou principal (voltada para a rua), laterais e posterior.
6. Admitir que apenas as alterações visíveis do térreo possam caracterizar alteração da fachada, passível de desfazimento, poderia firmar o entendimento de que, em arranha-céus, os moradores dos andares superiores, quase que invisíveis da rua, não estariam sujeitos ao regramento em análise.
7. A mudança na cor original das esquadrias externas, fora do padrão arquitetônico do edifício e não autorizada pela unanimidade dos condôminos, caracteriza alteração de fachada, passível de desfazimento, por ofensa aos arts. 1.336, III, do Código Civil e 10 da Lei nº 4.591/1964.
8. Recurso especial provido.
(REsp 1483733/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 01/09/2015)
Veja-se, também, estes importantes julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. ALTERAÇÃO DE FACHADA. A SENTENÇA DECIDIU EXTRA PETITA AO DETERMINAR A ADEQUAÇÃO DO JARDIM. ADSTRIÇÃO DA SENTENÇA AOS LIMITES DO PEDIDO, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 141 E 492 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. O ARTIGO 1.336, III, DO CÓDIGO CIVIL VEDA AO CONDÔMINO ALTERAR A FORMA E A COR DA FACHADA, DAS PARTES E ESQUADRIAS EXTERNAS, IMPONDO-SE A DEMOLIÇÃO DA ESTRUTURA INSTALADA SEM AUTORIZAÇÃO DOS CONDÔMINOS. A EXISTÊNCIA DE OUTRAS UNIDADES EM SITUAÇÃO SIMILAR NÃO TORNA REGULAR O AGIR DA RECORRENTE. OS ARTIGOS 536 E 537 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AUTORIZAM O MAGISTRADO A APLICAR MULTA DE OFÍCIO, NA FASE DE CONHECIMENTO, PARA A EFETIVAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA. A FIXAÇÃO DO VALOR DA MULTA DEVE OBSERVAR O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 50041103320218210010, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, Julgado em: 05-04-2024).”
“APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DECISÃO E DE MULTA DELIBERADA EM ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA. TROCA DE ESQUADRIAS EXTERNAS DA UNIDADE. DESATENDIMENTO AO PADRÃO ORIGINAL DO PRÉDIO. DESATENDIMENTO AO DECIDIDO EM ASSEMBLEIA. ALTERAÇÃO DA FACHADA. CONFIGURADA. ART. 1.336, III, DO CCB. A condômina não pode realizar qualquer alteração na forma e na cor da fachada, das partes e esquadrias externas, a teor do dispõe o art. 1.336, III do CC/02, em nome da segurança, para proteger-se de eventual tempestade. No caso, a condômina desrespeitou deliberação de assembleia e realizou obra além daquelas necessárias, a saber, daquelas decorrentes da tempestade, em que pese a ciência da vedação. Em decorrência, modificou todas as esquadrias externas da sua unidade em evidente alteração daquelas já existentes na fachada do prédio – fachada original. Fatos e provas do feito que conduzem à confirmação da sentença que manteve a deliberação da assembleia geral extraordinária – AGE – que, por maioria, determinou a adequação da instalação das esquadrias externas da unidade da parte autora e a aplicação de multa. Jurisprudência a respeito. Apelação desprovida. (Apelação Cível, Nº 70077049211, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em: 16-05-2018).”
Importante lembrar que, em alguns casos, o próprio síndico poderá ter de vir a indenizar o condomínio pela sua omissão em permitir que uma alteração de fachada ocorra sem a autorização em assembleia, podendo inclusive o condomínio, em ação de regresso, ajuizar ação contra o síndico.
Para evitar maiores conflitos e prejuízos, se possível, convém agir preventivamente, notificar o vizinho e o condomínio para que a alteração de fachada seja interrompida ou não aconteça, mas se não houver resposta ou a resposta for negativa, vale embargar a obra ou buscar uma ordem judicial para que a alteração não ocorra sem prévia assembleia condominial, na qual a alteração de fachada deverá ser aprovada por unanimidade, para que a alteração possa ser realizada, sob pena de multa. Isso pode ser muito desagradável, mas é bem pior e ofensivo ter o seu direito de proprietário desrespeitado.
Espero que o conhecimento deste assunto lhe seja de alguma forma útil, como condômino ou até mesmo como síndico.
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