Quando a pandemia da Covid-19 começou, logo no início, a nossa surpresa rapidamente se transformou em ilusão. A gente dizia que sairíamos melhores daquela situação, mais unidos, e sabemos o que aconteceu: negacionismo, politização, polarização, fake news, mortes evitáveis, exploração da tragédia para ganhos financeiros e marketing pessoal, peculato, estelionato, corrupção e trapaça.
Agora, diante da tragédia que estamos vivendo no Rio Grande do Sul, já no primeiro dia surgiram todos os tipos de baixaria. Tem gente com contas e pix solidários falsos para roubar dinheiro, alertas enganosos para causar pânico, acusações políticas, voluntários de Instagram e por aí vai.
Dizem que Umberto Eco disse que “justificar tragédias como vontade divina tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas”. O desespero por respostas e a ignorância ingênua do ser humano faz com que os pedidos de bençãos e orações sejam maiores que a valorização e compreensão de relatórios, estudos e modelos de previsões. O desmatamento supera a pesquisa e a prevenção. Os rios sobem mais rápido que a consciência e buscamos respostas nos lugares errados, enquanto o dinheiro fala e as pessoas escutam.
Mas apesar da podridão que submerge nessas horas, uma força maior está superando tudo isso. A rede de solidariedade que se forma, os voluntários anônimos, a coragem que brota sabe-se lá de onde para resgatar alguém. As vaquinhas, as portas que se abrem para receber desabrigados, os agasalhos que doamos para os que não tem mais nada além das roupas molhadas no corpo. Os animais resgatados, o abraço acolhedor, a preocupação e o apoio moral e financeiro.
Voltando ao ponto. As catástrofes, por si só, não fazem de nós pessoas melhores. A nossa essência é que nos move para algum lado, dependendo dos acontecimentos. A ocasião não faz o ladrão, o desespero sim, e uma tragédia só aflora as nossas intenções. Precisamos resgatar a nossa humanidade. Precisamos pensar na terra, nossa única e maltratada casa, como parte de nós, e não como um espaço de infinitos recursos onde podemos mostrar nosso pior sem sofrer as consequências.
Vamos rezar para confortar nosso sofrimento, mas vamos agir para evitar que o sofrimento aconteça.
Foto da Capa: Giulian Serafim/PMPA
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