Do escritor espera-se que indague. Que seja um questionador e que testemunhe o seu tempo. Do médico, que tenha em si o espírito de quem acolhe e dê assistência, a curiosidade inata a um pesquisador e a vontade de educar; assistência, pesquisa e ensino, a tríade de sua completude.
Não que o médico seja necessariamente um cientista de bancada de laboratório, nem um professor da academia, mas alguém que exerça essas funções, espírito investigativo e capacidade de repassar conhecimento de maneira natural, especialmente com seus pacientes. Que saiba ser intérprete do estágio de conhecimento que lhe é contemporâneo e o aplique.
O escritor escreve e reflete; o médico reflete e prescreve.
Sir Wiliam Osler (1849-1919), médico canadense, considerado o pai da Medicina moderna, também revolucionou a educação médica. Ele tinha convicções muito firmes sobre o que forma um bom médico. Entendia que a educação dos estudantes deveria incluir grande aporte de humanidades, paralelo aos conhecimentos técnicos.
Leitor assíduo de clássicos da literatura, Wiliam Osler recomendava Platão e Shakespeare, entre outros tantos autores, para que fossem lidos pelos futuros médicos. Para ele, a função do ensino deveria ser a de desenvolver o interesse e o gosto pelo conhecimento e não apenas a instrumentalização de técnicas.
Reporto-me a Osler para saudar o novo livro do médico, músico, tradutor e escritor André Islabão. Ele é autor dos livros Entre a estatística e medicina da alma, O risco de cair é voar e Slow Medicine – Sem pressa para cuidar bem, esse em coautoria com Ana Coradazzi, também médica, oncologista.
Nas entrelinhas de A arte de espantar dinossauros: como a arte pode inspirar a medicina, André Islabão reafirma os preceitos contidos no Primeiro Aforismo de Hipócrates: “A vida é breve, a arte é longa, a oportunidade passageira, a experiência enganosa, o julgamento difícil.” Utilizando referências de diversas expressões do fazer artístico, entrega com natural e admirável erudição o conceito de Arte Médica.
Em meio a avanços tecnológicos inspiradores, muito se fala na necessidade de garantia de uma Medicina “Humanizada”. Como se fosse possível existir uma verdadeira Medicina dissociada de humanidade.
A arte dá transcendência a horizontes, empresta vivências e nos ensina a ver além o que está em nós. O espelho do outro é a nossa condição, a vida e a morte que nos igualam.
Tive a honra de escrever a orelha do livro, reforço a prescrição de sua leitura, convicto da importância das ponderações contidas em A arte de espantar dinossauros (Ballejo Editora, 2024). Doses bem balanceadas em fundamento e lucidez, críticas que servem à boa prática e a ética profissional.
Não se assuste com a letra de médico do dr. André, ao contrário do que popularmente se diz, a dele é de fácil compreensão. Mas o espanto que talvez resulte, após a leitura dos textos que seguem ao primeiro e que dá nome ao volume, faz lembrar o clássico miniconto do escritor guatemalteco Augusto Monterroso: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá!”.
André Islabão propõe questionamentos, não lenitivos. As reflexões podem nos tornar melhores médicos e também melhores pacientes. Isso é muito.
Foto da Capa: Ilustração da capa de A arte de espantar dinossauros: como a arte pode inspirar a medicina
Todos os textos de Fernando Neubarth estão AQUI.