O ano era 1979, e a ditadura militar no Brasil já dava sinais de desgaste. Após anos de repressão, o país ansiava por mudança. O então presidente Ernesto Geisel havia anunciado que o processo de abertura seria lento e gradual, e foi nesse contexto que, em 28 de agosto daquele ano, o Congresso Nacional aprovou a Lei da Anistia. A partir desse momento, a Rede Globo passou a noticiar a libertação de presos políticos e o retorno de exilados ao país. A mesma emissora que, anos antes, havia apoiado o golpe militar, agora celebrava a vitória dos oprimidos. Mas essa é outra história. O povo brasileiro, alimentado pela esperança de dias melhores, via na anistia um símbolo de vitória, ainda que nem todos os opositores do regime que aguardavam a assinatura do presidente tenham sido imediatamente beneficiados pela medida.
A promulgação da lei trouxe alívio para aqueles que ansiavam caminhar pelas ruas do Brasil sem o temor de serem novamente encarcerados ou submetidos à tortura. No entanto, essa mesma lei também garantiu impunidade aos responsáveis por atrocidades, permitindo que nunca fossem responsabilizados por seus crimes. Eurídice Figueiredo, em seu livro Mulheres contra a Ditadura, publicado em 2024, caracteriza essa lei como problemática. Ela argumenta: “No caso da anistia brasileira de 1979, ela foi injusta porque protegeu e ocultou os culpados por torturas e assassinatos, impedindo a apuração da verdade e a punição dos responsáveis, quando se sabe que, segundo o Direito Internacional, crimes contra a humanidade são imprescritíveis.” A falta de revisão da lei da anistia, segundo Figueiredo, reflete a recusa do Estado brasileiro em confrontar seu passado, sob a justificativa de promover a paz e a reconciliação, enquanto qualquer esforço para esclarecer os crimes da ditadura é rotulado como revanchismo pelos militares.
Dividido em duas partes—Memória e História e A Ditadura pelo Viés da Ficção—o livro Mulheres contra a Ditadura explora a literatura escrita por mulheres. Ao todo, foram 95 livros lidos e analisados, incluindo o meu romance Nada Será Como Antes, publicado em 2023 (permito-me, aqui, uma pequena propaganda). Entre as obras analisadas, destacam-se relatos autobiográficos de mulheres que vivenciaram os tempos turbulentos do regime, assim como obras de ficção, muitas delas escritas por autoras que nasceram no final ou após o término da ditadura militar.
Ao ler a obra de Eurídice, percebemos o quanto as mulheres necessitam de uma luta constante por seus espaços. Mesmo nas organizações que buscavam a liberdade de expressão, elas foram discriminadas por seus companheiros, muitas vezes sendo humilhadas por estarem em um lugar que, para eles, não lhes pertencia. Quando presas, essas militantes sofriam violências de gênero que envolviam tortura sexual, humilhações nos cuidados com menstruação, gravidez e maternidade. Além disso, lidavam constantemente com zombarias a respeito de seus corpos, evidenciando racismo e misoginia. Ao partirem para a clandestinidade e o exílio, muitas foram obrigadas a afastar-se dos seus filhos, deixando-os com parentes ou até mesmo com desconhecidos para protegerem suas vidas.
O esforço das mulheres contra a ditadura, como exposto na literatura, é um lembrete de que nenhuma batalha se encerra. Ainda há muito a ser feito para que possamos alcançar uma sociedade mais justa. Voltando à Lei da Anistia: o fato de o Brasil não ter punido seus algozes, ao contrário do que fizeram outros países, perpetua uma história que deixou muitas feridas. Ao perdoar os crimes da ditadura, muitos deles cometidos contra pessoas que não tinham qualquer envolvimento político, o país abriu as portas para que atrocidades continuem a acontecer. A luta por justiça e memória é, portanto, uma tarefa que deve ser continuamente revisitada, para que as tragédias do passado não se repitam no futuro.
Foto da Capa: Divulgação
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