Ouvi o podcast da Carol Tilkian falando sobre “Anorexia afetiva – por que as pessoas têm medo de nutrir afetos?” e resolvi compartilhar aqui porque eu já vinha pensando sobre este tema e encontrei neste podcast uma boa sistematização.
Eu desconhecia o termo “anorexia afetiva” e esta analogia, mas faz sentido, pois o medo das pessoas de se nutrirem de afetos é muito semelhante ao das que rejeitam alimentos. Quem sofre de anorexia nervosa vê o alimento como algo tóxico, algo que vai lhe fazer mal, que vai lhe engordar. Quem fica muito tempo sem comer relata que começa a sentir prazer em não comer, que “dá um certo barato”, como se estivesse consumindo uma droga. A pessoa sente um prazer no desprazer. Talvez isso explique por que, sem uma intervenção externa, sem um tratamento, essas pessoas morrem de inanição, por não querer se alimentar.
Carol Tilkian diz que as pessoas, principalmente as mulheres, estão com medo de se decepcionar nos novos relacionamentos o que leva algumas a desistirem de tentar. As más experiências do passado têm feito com que elas não queiram mais entrar em aplicativos de relacionamentos e dizem que fazem isto como uma forma de se proteger. Aqui, o afeto é como o alimento das anoréxicas, ele é visto como algo tóxico, algo que pode fazer mal. Assim como alguém com anorexia nervosa imagina que engordou dez quilos por ter ingerido um brigadeiro, uma mulher com anorexia afetiva acha que por ter enviado uma mensagem de “estou com saudades” estragou tudo porque invadiu o espaço do cara. Aí ela fica pensando que não devia ter enviado a mensagem, que está pressionando… e quando ela conversa com amigas que estão na cultura da dieta do afeto, elas irão ratificar “você pisou na bola”. E assim, essa mulher vai cada vez mais reduzindo a sua exposição para não incomodar.
De onde vem esta rejeição aos afetos nas relações? Carol destaca que vivemos uma educação que estimula as mulheres à contenção e ao sacrifício para serem aceitas na sociedade em diferentes frentes, seja indústria da magreza, na qual o Ozempic, um medicamento que foi desenvolvido para tratar diabetes, viralizou por conta dos seus efeitos de perda de peso, tornando a sua fabricante a empresa mais valiosa da Europa. Por outro lado, tem a indústria do amor, onde coaches de relacionamentos estão ganhando fortunas orientando as mulheres no que elas devem ou não dizer para serem escolhidas, as mensagens que não devem mandar, o tempo que deve demorar para se fazer presente etc.
Achei muito interessante a relação feita com origami, em que as mulheres vão se dobrando, se dobrando, se dobrando, como se qualquer milímetro para fora fosse atravessar o outro ou ficar visível demais. Tem mulheres deixando de informar nos aplicativos de relacionamento que possuem mestrado ou doutorado porque isto dá menos matches. É preciso diminuir a sua inteligência para caber num possível par romântico.
Uma amiga me contou que estava saindo com um cara, que estava indo tudo bem e então ela resolveu convidá-lo para ir ao seu apartamento. Já na chegada ela percebeu que ele ficou muito desconfortável. Na saída, ele disse que ela “era muita areia para o seu caminhãozinho” e terminou a relação. Não aceitou que a sua namorada tivesse uma situação financeira melhor que a dele. Eu pensei que era uma situação isolada, mas vendo os relatos deste podcast, vejo o absurdo das relações e o machismo que ainda predomina em pleno século XXI.
Tudo isto explica o surgimento de movimentos como Boy Sober (desintoxicação de homens – ficar 365 dias sem qualquer relacionamento com homens), Red pill (grupo de homens críticos à igualdade de gênero e que consideram as mulheres aproveitadoras, controladoras e manipuladoras) e até mesmo os Incels (celibatários involuntários) entre outros.
Concordo e reforço que vivemos uma crise de alteridade, que é a capacidade de conviver com pessoas diferentes de nós (alteridade é definida como a relação entre o eu e o outro). É preciso assumir o controle e nos responsabilizarmos pelos nossos sentimentos. Se uma relação está pesada para mim, preciso expressar este sentimento. Se estou querendo muito um amor, preciso expressar esse desejo, autorizar esta minha vontade. Não estamos ferindo ninguém ao expressar nossas vontades. Precisamos dar mais chances aos afetos, eles não são tóxicos, não fazem mal, não engordam e se, por acaso em alguma relação te machucar, expresse o que está sentindo e seja honesta com seus sentimentos.
Referência:
Podcast – Anorexia afetiva: por que as pessoas têm medo de nutrir afetos? Carol Tilkian – CBN Amores Possíveis.
Foto da Capa: Freepik / Gerado por IA
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