Nossa situação, no geral, é complicada
Historicamente, a população brasileira sempre foi marcada por uma enorme desigualdade social e econômica; a pandemia de Covid-19 intensificou essas diferenças e colocou novos desafios para a sociedade em geral. Isso é o que aponta uma pesquisa realizada pela FGV Social, que uniu a base de dados do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) à da Pnad Contínua realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O estudo mostrou que o Índice de Gini – utilizado para medir o grau de concentração de renda e apontar a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos – chegou a patamares históricos. O fato é que houve um aumento na desigualdade entre os mais pobres e mais ricos no Brasil, principalmente devido ao efeito da pandemia sobre a classe média (leia o resumo dos dados dessa pesquisa aqui).
A situação piora quando se olha para população negra e feminina
Nesse panorama da desigualdade brasileira, um outro estudo realizado pelo IBGE comprova o alto grau de vulnerabilidade e de desigualdade no qual vive a população negra com relação à população branca, conforme os dados que seguem quadro abaixo (leia todo o estudo clicando aqui). E se olharmos apenas para mulheres negras, por exemplo, veremos que elas recebem em média menos da metade do salário de um homem branco, mesmo exercendo funções similares ou iguais, sendo que a média salarial mais baixa entre todas é a das famílias chefiadas por mulheres negras.
O mundo mudou. O Brasil do futuro é velho
Nas últimas décadas, os padrões na longevidade da população brasileira mudaram, porque a expectativa de vida média brasileira aumentou e tende a continuar aumentando (ainda bem!). Essa mudança faz com que ocorra um movimento de crescimento da população sênior, acompanhado de uma taxa de natalidade cada vez menor, que contradiz a ordem do “crescei e multiplicai-vos”. Por isso, nossa pirâmide etária está alargando no alto e encurtando na base. Um parêntese: com relação a este último movimento demográfico, alguns países estão adotando diferentes políticas para aumentar a população infantil e jovem. A China, por exemplo, está promovendo uma política para estimular casais a terem mais de um filho e o Canadá vem promovendo políticas migratórias para atrair jovens e famílias com crianças.
Estima-se que hoje a população 60+ seja de 32 milhões no país, sendo que 48% destas sejam de pessoas negras e 52,2% de mulheres. Para as pessoas negras, o processo de racismo estrutural é vivido desde a infância e vai se acumulando ao longo da vida, levando a um processo de exclusão social. Para as mulheres negras, além do racismo, há a sobrecarga do machismo estrutural, com a qual as mulheres brancas também convivem. Para todos que envelhecem, haverá a sobreposição da camada do idadismo, a discriminação por causa da idade, pois vivemos numa sociedade pautada pelos valores da produtividade e consumo. Nela, a velhice ainda é percebida como um período de inatividade e fragilidade, dificilmente entendida como num âmbito de potencialidade, autonomia e desejos.
Tudo isso tem a ver com um olhar diferenciado
Apresentei dados sobre as desigualdades brasileiras, abordei sobre os novos padrões de longevidade do país e as camadas de discriminação que se sobrepõe com o envelhecimento por raça e gênero. Mas não podemos falar em velhice sem olhar para o curso de vida da pessoa e como foi construída sua educação, condições de saúde, moradia, empregabilidade, seguridade social, estrutura familiar e rede de apoio, entre vários outros itens, e os seus efeitos causados. Então, a partir daí abre-se ainda mais o leque para pensar a diversidade nas velhices.
No sentido de provocar discussão e trazer luz para a conversa sobre as diferenças no processo de envelhecimento de pessoas negras e brancas 50+, por gênero, o CEBRAP e o Instituto Itaú Viver Mais, conduziram e divulgaram o estudo “Envelhecimento e Desigualdades Raciais”, em três capitais brasileiras (Porto Alegre, São Paulo e Salvador). Dividindo o estudo em onze Indicadores, seus resultados trazem reflexões importantes para nos orientar. As 11 dimensões: Inclusão Produtiva, Segurança Financeira, Bem-Estar, Saúde, Inclusão Digital, Atividades Físicas, Autoestima, Capital Social, Exposição à Violência, Mobilidade, Práticas Culturais.
Abaixo, relato alguns achados:
- Em São Paulo e Salvador, mulheres negras apresentam pior desempenho em relação à inclusão produtiva quando comparadas às mulheres brancas.
- Em São Paulo, com o avanço da idade, os homens negros se sentem mais inseguros financeiramente, pois apresentam maiores dificuldades em saldar as contas e despesas.
- Em Porto Alegre, os homens negros possuem piores indicadores de bem-estar quando comparados aos homens brancos na maioria das faixas etárias;
- Os indicadores de Saúde das mulheres são superiores aos dos homens, independente da variável raça, na maioria das faixas etárias;
- Para aqueles com até 59 anos, apenas 15% nunca utilizou internet; entre os mais velhos (80 anos ou mais) 76% não usou. Há um destaque negativo para os percentuais de acesso à internet por parte dos homens negros em São Paulo. Na faixa entre 50 e 59 anos, apenas 70% já acessou a rede mundial de computadores; já na faixa entre 60 e 69 anos, apenas 50% dos homens negros acessou pelo menos uma vez.
- Dentre as três capitais, Porto Alegre se destaca por ter o menor índice de realização de atividades físicas.
- Em Porto Alegre, as mulheres brancas e negras possuem indicadores de autoestima mais elevados quando comparadas aos homens brancos e negros na maioria das faixas etárias, o que indica um peso maior da variável gênero;
- Em geral, homens negros e brancos da cidade de Salvador têm indicadores de capital social mais baixos do que as mulheres em todas as faixas etárias.
- Homens e mulheres brancos são vítimas de violência contra o patrimônio com maior frequência, enquanto homens e mulheres negros são vítimas de crimes contra a pessoa mais frequentemente;
- Na faixa dos 80 anos ou mais, os homens possuem indicador de Mobilidade maior que as mulheres;
- O desejo de ir a shoppings para lazer ou diversão e bares e restaurantes se destacou nas três capitais. A variável raça e gênero não apresentou impacto nesse indicador
Tem mais?
O envelhecimento é um tema atual. Mas a minha sensação é de que – como sociedade – estamos vivendo em negação. O Brasil envelheceu em 25 anos o que a França levou 145 anos para envelhecer. E a nossa população tem uma pluralidade, desigualdade e diversidade muito maiores. O que estamos fazendo para mitigar o(s) problema(s) e projetar o futuro? E, com certeza, a diversidade das velhices é um tema que não se esgota nesse texto e que precisa ser aprofundado e ampliado. Nem incluímos aqui, por exemplo, as velhices com deficiências, LGBTQUIAPN+, indígenas, quilombolas, …
Mas, e daí?
Precisamos propor, num grande esforço conjunto, por meio de políticas públicas, áreas privada e terceiro setor, maneiras equânimes e inclusivas na sociedade da população longeva mais vulnerável, pensando alternativas e soluções para o grande desafio do nosso futuro: Um país cada vez mais longevo e com uma população mais velha cada vez maior. Aceitemos. Preparemo-nos. Antes agora do que mais tarde.