No Brasil, o sistema tributário reflete as desigualdades estruturais da sociedade, onerando desproporcionalmente aqueles que estão em posições socioeconômicas mais vulneráveis. Como uma maior parte da arrecadação vem de impostos sobre consumo, portanto sobre o que se come, o que se bebe, o que nutre o ser humano, afeta, consequentemente, mais intensamente aqueles que têm menor renda e, por consequência, gastam a maior parte dela em bens e serviços essenciais.
Já as isenções fiscais e incentivos, atualmente, beneficiam principalmente quem tem alta renda ou acesso a investimentos financeiros, ou seja, um perfil majoritariamente branco.
O texto da regulamentação da reforma foi aprovado em dezembro de 2024 pelo Senado e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Mas é preciso uma reforma?
Trago a reflexão da jurista Daniela Olimpio: “Racialização tributária” é uma expressão que entendemos ser uma constatação de que a tributação, tal qual erigida historicamente, sobre bases altamente regressivas do consumo, sobre privilégios fiscais, sobre déficit de representatividade nos espaços institucionais de decisão, sobre uma compreensão da arrecadação e do tributo com malefícios sociais, enfim, trata-se de uma constatação de que a tributação tem sido um pacto da branquitude. E, neste sentido, recobrar o justo numa política tributária passa, necessária e fundamentalmente, pelo marcador de raça.”
A soma de elementos como bases regressivas, privilégios fiscais e déficit de representatividade nos espaços institucionais de decisão, contribui para a perpetuação das desigualdades raciais. Proporcionalmente, a tributação sobre bens e consumo pesa mais sobre a população de baixa renda. As mulheres, especialmente as negras, enfrentam uma dupla penalização no sistema tributário, por consequência.
Além de estarem concentradas nas faixas de renda mais baixas, elas são as principais responsáveis pelos afazeres domésticos e cuidados familiares, o que as torna mais vulneráveis à tributação sobre o consumo.
E, complemento com Cida Bento: “Depois, porque, durante esses quase 150 anos que nos separa da chamada “Abolição”, sociedade e Estado brasileiros não conseguiram propiciar a essa parcela da população oportunidades para que conquistasse o que lhe é devido e constantemente prometido: liberdade, emancipação, igualdade, fraternidade. A parcela negra da população, majoritária no país, permanece em situação de grandes desvantagens, principalmente no campo econômico, o que significa péssimas condições de vida.”
Adoção de medidas que aliviem a carga tributária sobre quem está na base, políticas fiscais que incentivem a inclusão econômica, criação de mecanismos de compensação financeira, são medidas de reparação que só podem ser propostas a partir de um reconhecimento da discrepância.
A reforma tributária não é apenas uma questão técnica ou econômica, trata-se de um ato político com potencial de promover equidade racial e de gênero.
E sobre esse regenerativo olhar, ainda trago a indicação de mais duas juristas brilhantes e suas obras: Maria Angélia dos Santos, que tem um livro de 2022 que tem como tema “Tributação e raça: fabulações tributárias”, e Eliane Barbosa da Conceição, autora do livro “Tributação Justa, Reparação Histórica – uma discussão necessária”.
Algumas vitórias? Sim, nós temos. Os produtos da nova cesta básica não serão tributados; e houve redução na alíquota de impostos para medicamentos da Farmácia Popular, para tratamento de câncer, HIV e diabetes.
Incorporar um enfoque reparatório ao sistema tributário brasileiro é um passo essencial para corrigir desigualdades históricas e construir uma sociedade mais justa e inclusiva, pois, quando desenhada para incluir e reparar, passa a ser um instrumento de transformação social.
Fontes consultadas:
Privilégio branco na estrutura tributária brasileira: uma análise interseccional de impostos diretos e transferências
Racialização tributária e o estado da arte da tributação
Reparação da população negra por meio da tributação - Geledés
A reforma tributária dialoga com pautas de raça e gênero?
Chris Baladão, bicho raro, formada e por coração advogada, na época em que o curso levava sociais em seu nome, escritora por necessidade de expor a palavra, bailarina porque o corpo exige, professora porque a experiência da vida precisa ser compartilhada.
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Foto da Capa: Marcelo Casal / Agência Brasil