Nas sociedades onde o conhecimento era transmitido oralmente, a pessoa mais velha detinha um status diferenciado na comunidade, pois como pessoa com maior tempo de vida era quem possuía a experiência, a sabedoria e o conhecimento guardado para orientar a todos com relação ao que acontecia, em todos os âmbitos da vida da comunidade.
Ao longo do tempo, fomos inseridos num sistema no qual valemos pelo quanto produzimos. Quanto mais produzimos, melhor. Se mais forte, ainda melhor. Nesse sentido, os mais frágeis, vulneráveis, os que não “produzem” mais, são percebidos como menos valiosos. Nessa categoria, estão colocadas as pessoas mais velhas na medida em que envelhecem e são aposentadas.
Os meios de comunicação social – rádio, tv e jornal – trouxeram o mundo para a nossa casa. Ainda assim, quem continuava a saber “como as coisas tinham que ser feitas” eram os mais velhos. Aconteceram abalos sísmicos, vide as décadas de 60 e 70, mas a grande revolução ocorreu com a internet. Com a chegada dela, por que se precisa da sabedoria e do conhecimento dos mais velhos se existe o Google?
O que é uma Geração
Para além de um grupo de pessoas que nasceram numa mesma época, uma geração é representada por pessoas que compartilharam certas experiências de vida e que as processaram de uma determinada maneira. É antiquado pensar que uma geração substitui a outra, num sentido cronológico. Especialmente nos dias atuais, onde temos ao menos cinco gerações convivendo simultaneamente: Baby Boomers, X, Y (ou Millenials), Z e Alpha (clica aqui e leia sobre características de cada geração no texto de uma coluna anterior). No entanto, entre uma geração e outra sempre coexistem gerações intermediárias que determinam parâmetros entre elas. Assim, a transição se faz de maneira que não é claramente definida. Dessa forma, havendo uma sobreposição e coexistência entre uma geração e outra.
Cada um vive a geração de um jeito
E cada ser humano, de acordo com suas características e individualidades, irá pertencer a subgrupos e coletividades nessa geração. É mulher ou homem? É branco ou negro? Nasceu no Rio Grande do Sul ou na Bahia? De uma família classe média ou baixa? Cada característica irá construir – muito provavelmente – um contexto diferente dessa pessoa mesmo que ambas estejam inseridas numa mesma geração. E isso, apenas citando alguns itens e sem colocar o tempero da personalidade de cada pessoa, suas emoções e as interações com o seu meio.
Potência
Essa semana participei de uma experiência potente, que me motivou a escrever esse texto, que foi a condução de uma roda de conversa entre mulheres de 19 a 87 anos, a respeito das Dimensões do Cuidado, do projeto Diálogos Intergeracionais, lançado entre o Movimento LAB60+, do qual sou uma das colideranças, e a Rede Global Shapers – Hub SP, formada por jovens lideranças dos 20 aos 30 anos que querem fazer diferença no mundo, criada pelo Fórum Econômico Social.
Nessa roda virtual tivemos oportunidade de escutar as histórias umas das outras e, por meio delas, aprender umas com as outras diferentes maneiras de lidar com as nossas próprias histórias e sentimentos. Desatando nós e aliviando pesos. Assim, a perspectiva da mulher de 87 anos de que tudo na vida passa e o que hoje é tão sofrido amanhã virará cicatriz, se complementa com a da mulher de 19, cheia de curiosidade, expectativa e insegurança. Com os corações e mentes abertos para o acolhimento e generosidade, uma bebe da escuta da outra e se preenche. Das nossas vulnerabilidades e capacidades, nasceu a potência do nosso encontro.
Olhar além
Fico pensando que precisamos ressignificar nossa relação com os adultos mais velhos. Se nossa relação estava baseada na autoridade e no utilitarismo, sugiro olhar além para encontrarmos a riqueza das experiências de vida dessas mulheres e homens. Até hoje nunca me decepcionei quando escutei a história de quem quer que seja. Sempre ouvi histórias extraordinárias, trazendo lições para minha vida. Fazendo trocas com a escuta do coração.
Outra experiência que me marcou, ocorreu semanas atrás, quando conversei sentada na calçada com uma senhora numa situação de extrema vulnerabilidade social, aposentada, para quem levei uma marmita de almoço. Com ela aprendi sobre o sofrimento de ter tido sua aposentadoria quase toda tomada pelo crédito consignado, a ponto de não ter condições de comprar um botijão de gás para fazer sua comida, e também sobre sua história de luta juntando latinha para complementar a renda, sua gentileza, sua capacidade de esperançar e alegria de viver, em meio a tudo isso.
Convite
Permitir-se e provocar-se a estar em contato com pessoas de todas as fases do ciclo da vida: criança, adolescente, jovem adulto, adulto, idoso, é uma maneira de revigorar nossa forma de enxergar o mundo por meio dos olhares de cada um com quem convivemos e fazemos conexões. Além disso, nessas conexões – quando verdadeiras – tomaremos consciência de que não há fase melhor do que outra. Em todas encontraremos tristezas e alegrias, encontros e desencontros. O que há é o nosso tempo. O Agora. A dor e a delícia de ser quem se é. Saibamos aproveitá-lo.
Dia da Criança
Hoje se comemora o Dia da Criança, e estou curiosa para ver os anúncios voltados para o mercado 50+! Será que haverei de encontrar idadismo “elogioso”, querendo fazer “velhinho/velhinha parecer criança”, por aí? O que você acha? Me conta depois?
Foto da Capa: Janosch Lino / Unsplash