Oi argentinos! Nossa relação nunca foi das melhores. Houve guerra, vocês nos chamam de macaquitos e sempre jogam a vida no futebol se o time é brasileiro. Aliás, vocês ficam insuportáveis quando o câmbio favorece o lado portenho, é o “dame dos” pra cá, “dame dos” pra lá, os vendedores nem querem atender quem fala português.
Sempre tivemos uma certa inveja da Argentina: tudo era tão europeu, tão cultural. Os cafés de Buenos Aires são um luxo e o tango é tão quente… Muitos por aqui torceram por vocês nas Malvinas, mas daí a nos pedir pra levar tiro da Inglaterra era forçar a amizade.
Apesar de tantas diferenças, sempre tivemos muitas coisas em comum: colônias europeias; conquistamos a independência; vivemos ditaduras militares; governos populistas; inflações galopantes; dívida externa; defaults e pacotes econômicos intermináveis.
Por muito tempo achamos vocês eram os nossos irmãos mais velhos, sérios, cultos, enquanto nós éramos os adolescentes num eterno carnaval.
Mas daí veio o Fernando Henrique Cardoso, acabamos com a inflação, colocamos metas fiscais e acabamos aprendendo a viver com um certo equilíbrio. Veio o Lula e quitamos a dívida com o FMI, algo inimaginável naqueles longínquos anos 80, além de crescermos a taxas bem bacanas.
Pra nossa perplexidade, enquanto nós íamos amadurecendo, vocês seguiam patinando, sempre se fiando em pacotes econômicos mirabolantes, no gasto público descontrolado. Então a Argentina virou aquela “Festa Balonê”, vivendo o looping infinito dos anos 80. Será que vocês têm aquela chamada Síndrome de Peter Pan?
Vendo a possibilidade da Argentina eleger um Javier Milei, como solução mágica da crise, me senti na obrigação, agora como irmão mais velho e bem-sucedido, de escrever este texto para vocês.
Sim, tivemos nossas Dilmas querendo um Brasil vintage de novo, mas, por incrível que pareça, até uma parte da esquerda que, na época tocou o pau no Plano Real, já se deu conta que esse papo de Estado gastador é balela de intelectual que nunca administrou uma carrocinha de pipoca.
Ok, sei que vocês estão desesperados, que o país está uma bagunça e os populistas peronistas meteram o foda-se na Argentina. Nós vivemos isso, com nossas Zélias, Collors, Funaros, Marias da Conceição Tavares, Plano Verão, SUNAB, Fiscais do Sarney, fila em posto de gasolina, corte de zero, dinheiro carimbado, overnight… Acreditem, tentamos toda a sorte de milagres, até congelar poupanças, procurar gado no pasto, tabelamento e só levamos na cabeça.
Já sei, vocês vão dizer que pior que está, não ficará! Errado! Tudo pode piorar!
A Dilma foi uma desgraça pro Brasil, dilapidou o ótimo governo que o Lula tinha feito. Tinha fama de gestora competente, mas era só fama, tinha dificuldades com as palavras, não gostava da lida política, trocava os pés pelas mãos. O Brasil, que estava decolando nos primeiros governos do PT, passa a perder altura e rumar pro chão.
Daí começaram as soluções mágicas tipo Javier Milei…
Fizeram um impeachment contra ela a partir de uma desculpa esfarrapada de pedalada fiscal. Veio o Temer, as mesóclises e a sua bela, recatada e do lar Marcela. O cara tinha condições de ser o próximo presidente, mas foi abatido pela Lava-Jato.
A Lava-Jato foi também uma solução mágica tipo Milei!
Hermanos, a Lava-Jato é o nome de uma operação conduzida pelo juiz Sérgio Moro e o procurador da república Deltan Dallagnol a partir de Curitiba, uma cidade aqui no sul do Brasil. Pela primeira vez na história do nosso país acreditamos que poderíamos controlar a corrupção e passar a limpo o país com aquela turma. Eram jovens, prendiam gente semanalmente, devolviam milhares de reais pros cofres públicos. No Jornal Nacional, que é um noticiário nosso da noite, eles davam entrevistas explicando como se dava a roubalheira e as providências que eles estavam adotando. Os caras ainda tinham tempo pra propor leis novas para evitar que os gatunos pegassem nossa graninha suada de novo.
Lá pelas tantas, começou-se a estranhar que a tal Operação Lava-Jato prendia mais gente do PT, quando se sabia que não foi esse partido que inventou a corrupção, sem contar que se avolumavam denúncias de abusos cometidos por ela, tipo grampear advogados, esticar prisões para forçar delações, só conceder liberdade se este ou aquele fosse delatado, etc., etc..
Houve o caso do reitor de Florianópolis, um cara honesto, bacana e simples, que teve a vida destruída por justiceiros dessa turma e acabou se suicidando. Mais do que punir os culpados, a tal operação destruía economicamente as empresas envolvidas, que no governo Lula tinham se tornado multinacionais. Quem falasse mal da Lava-Jato era apedrejado, eles eram amados pela mídia, vazavam as operações para as televisões filmarem os poderosos sendo presos, e contavam com o apoio da esmagadora maioria de uma sociedade cansada de corrupção.
Um belo dia o Brasil acorda com o ex-Presidente Lula sendo preso de madrugada em casa, mas não preso por ter sido condenado, nem por ter interferido na investigação, apenas para ser levado a depor com transmissão ao vivo, sendo que jamais ele tinha se negado a fazer isso. Até o tablete do neto do preso eles pegaram.
O Sérgio Moro liberou uma intercepção telefônica que já tinha vencido o prazo de validade para evitar que o Lula assumisse como ministro e ficasse fora do alcance da sua condenação.
E a condenação veio e impediu o Lula de concorrer. O outro candidato natural, Michel Temer, o carinha da esposa bonita, foi destruído pelo lavajastista que estava na PGR, que autorizou um bandido confesso ir gravar o presidente da república e depois divulgou isso na mídia com grande pompa.
Restou, então, Jair Messias Bolsonaro praticamente como única alternativa para presidente fora do PT.
Bolsonaro, de novo, era a solução mágica contra o PT, a corrupção e a crise financeira!
Ele era uma figurinha conhecida aqui no pedaço por suas frases preconceituosas, apologias à tortura, pouca disposição para o trabalho, acusações de rachadinhas (uma chinelagem onde o político come o salário dos assessores), envolvimento com a milícia, etc..
A maioria do Brasil olhou pra ele com esperança, um cara que nunca havia sido presidente, se dizendo defensor da família, acenando com uma agenda liberal, e, de mais a mais, nada poderia ser pior que o governo da Dilma. De novo: NADA PODERIA SER PIOR QUE O GOVERNO DA DILMA!
E aí, tá entendendo agora por que dei toda essa volta pra chegar no Javier Milei?
Seu Jair se elege e, na cara dura, coloca de ministro da justiça o tal juiz Sérgio Moro que mandou prender seu adversário. No início do mandato, um dos líderes do novo presidente conservador no Congresso Nacional era um parrudão que fez filmes pornôs com travestis chamado Alexandre Frota, ladeado por uma deputada ex-Femen que vários acusam de ter exercido a profissão mais antiga do mundo na Espanha. Você dever estar estranhando, né? Então, a galera conservadora-cidadã-de-bem aqui no Brasil é bem esquisita mesmo: o cara que combate as drogas se fotografa em meio a carreiras de cocaína e buchas de maconha; o pastor defensor da família mente diariamente e parece estar sempre bêbado; o filho do presidente, anti-gay, teria mandado mensagem querendo dar pro assessor; a a ex-crente bolsonarista usa o próprio filho como câmera pra fazer filme adulto dando pra um ator pornô com nanismo; o defensor da família se grava fazendo sexo com menores…
O seu Jair raramente era visto trabalhando, ficava o tempo todo na Internet, divulgando mentira, ou em motociatas combatendo a ameaça comunista cercado de velhos brochas. Na pandemia, o loco surta e resolve destratar vacinas porque recebeu umas besteiras no grupo do zap, sem falar que até remédio pra vermes ele atochou nos brasileiros depois de algum idiota falar que isso curava COVID.
Velho, o Brasil era o país das vacinas, todo mundo se vacinava, mas depois que o Jair e seu gado lobotomizado passou a difundir teoria da conspiração sobre imunização, as taxas de vacinados caíram espantosamente, voltamos pra idade média e pro charlatanismo estatal. Enquanto a Ministra dos Direitos Humanos surtava com resorts de suruba e zoofilia, teoria da conspiração de pedófilos que arrancam dentes, 590 ianomamis morreriam de fome e envenenados.
Ele ainda teria mandado grampear todo mundo que ele não gostava através da ABIN, a CIA aqui do Brasil, e remanejado os investigadores que estavam analisando fatos envolvendo sua família.
A economia brasileira patinou, o tal liberal nomeado pelo seu Jair explodiu o teto de gastos transformando as pedaladas da Dilma em Juizado de Pequenas Causas, o tal mensalão do PT passou a se chamar Orçamento Secreto e foi turbinado sem que os lavajatistas dessem um pio, pois se descobriu que a indignação dessa turma é pra lá de seletiva.
Houve ministro chamando a mulher do presidente francês de baranga, outro fazendo piada racista com chinês e o presidente contando para um ex-presidente norte-americano que ele tinha combatido a guerrilha do Araguaia. A propósito, nessa época ele tinha 15 anos…
Tentaram roubar vacina, bíblia e deixaram milhares morrer por atraso nas vacinas. As pessoas morrendo sufocadas em Manaus, enquanto o governo mandava cloroquina, um remédio ineficiente, ao invés de oxigênio. Os bolsonaristas esbofeteavam enfermeiras em luto pela COVID, invadiam hospitais com suas teses piradas.
Seu Jair inoculou a ignorância na sociedade brasileira, sua rede de mentiras passou a contar com canais de televisão, jornalistas de programa e uma extensa lista de influenciadores monetizados por fake news e destruição de reputações. O lixo mais profundo da sociedade sentiu-se à vontade para humilhar guardas de trânsito, chicotear com a coleira do cachorro motoboys, chamar o Gilberto Gil de filho da puta enquanto ele passava com a família em um estádio de futebol.
A cultura brasileira foi esculachada, a produção científica destruída.
Aqui o presidente tinha um Posto Ipiranga chamado Paulo Guedes, por aí ouvi falar que a orientação econômica vem do contato mediúnico com um cachorro morto.
Sei que peronista não é nenhuma Brastemp, nem o Lula era nessa última eleição, mas às vezes temos nos contentar com que a casa oferece no campo da civilização.
E outra, parem de tentar bruxaria, está na hora de vocês amadurecerem e controlar o gasto público, acabar com a inflação e voltar a crescer.
Larguem um pouco o Gardel e aprendam com nosso Lupicínio:
Esses moços, pobres moços
Ah! Se soubessem o que eu sei
Não amavam, não passavam
Aquilo que já passei
Por meu olhos, por meus sonhos
Por meu sangue, tudo enfim
É que peço
A esses moços
Que acreditem em mim