Sou um otimista sem fé, o que, de onde vejo, valoriza minha esperança. Na caminhada, desisti do abstrato quando entendi que a origem dos problemas e das soluções tem um ponto nevrálgico em comum: a espécie humana! A tragédia que o Rio Grande do Sul vive não é a água, a quem, literalmente, devemos a vida. A ideia de que dominamos a natureza reforça nosso papel de abusadores, ignorância alimentada vorazmente a partir do pensamento de que as coisas (e seres) existem para que possamos usar. Somos parte, e os nacos que tiramos deixam na gente a ferida. Pachamama já estava e continuará, 100% apesar de nós.
Esse “realismo esperanço”, liberdade poética sobre Ariano Suassuna, ganha força com o ímpeto solidário que se sobrepõe às enchentes e à tragédia. O Estado vive uma emoção reunida em solidariedade. Cada um, como pode, é parte de um movimento humano para resolver o urgente e, aos poucos, preparar os próximos passos. Dentro do Porto Alegre Inquieta, a participação é quase palpável, trazendo aos grupos de mensagens (base de interação do coletivo) a ideia e a ação. Centenas de voluntários, divididos em áreas de interesse comum, conectam quem tem e quem precisa, a necessidade e o apoio, desde os primeiros dias da enchente.
Um grande reflexo da crescente comunhão que já ultrapassa as fronteiras do Rio Grande do Sul e ganha o mundo. São ações que acompanho diariamente, que me alimentam o tal otimismo e iluminam o futuro. Vejo que o cuidado com o outro é da nossa natureza (quer mais otimismo que isso, diante da quantidade de argumentos contra) e a corrente do bem vai sempre vencer, apesar de nós.
Sim, mesmo sem a gente, pois no coletivo a individualidade tem espaço limitado. A mão que tem a medida da força é a que recebe; quem estende é a ponta de algo maior, o braço de um corpo coletivo. Essa união de forças é maior que cada uma dessas forças sozinha. No afã de sermos úteis, também tropecemos, inocentados pela intenção do coração. Nesse amplo corpo há o espaço ocupado pelos “eus”, que não são nada além de nós, pessoas que representam as origens dos problemas. Na maldade e no prevalecimento, percebidos e noticiados, não há inocentes.
O descaso político é a norma, uma mentalidade desembarcada em naus que nasce de um egoísmo ainda muitos anos mais velho. A ação impensada do humano recai, basicamente, sobre ele mesmo, com efeitos colaterais graves sobre outras espécies. A natureza não está se vingando, está sendo ela mesma, ocupando um espaço dela, cumprindo seu papel. A mudança que o planeta está nos exigindo é profunda: política, cultural e individual. É como grupo que faremos a diferença, já que o clima, a maldade e o prevalecimento sempre existirão, apesar de nós.
E teremos a força necessária, apesar de tudo?
Além das calamidades globais e históricas desde que sabemos contar, são ao menos cinco extinções em massa nos genes. Me parece óbvio que a capacidade temos: dependemos da competência. Sempre coletiva. Se é fundo, é demorado, pode levar gerações, talvez, se durarmos tanto (a parte do realista). O fluxo mostra que já começamos a mudança, mas os avisos, naturais e humanos têm séculos e o abuso segue crescendo, deixando um rastro impiedoso, apesar de nós.
A energia que hoje emana do e para o Rio Grande do Sul é a força da humanidade buscando sobrevivência. Acontece em todo planeta, quando somos chamados ao instinto. É na forma de lutar que me parece necessário se concentrar. Conhecer e agir no individual, antes de tudo, é a minha aposta. Chegar mais forte e responsável no coletivo, onde a ação exige união e resiliência. Na realidade do cotidiano, seguimos a luta, fazemos o que podemos, e abraçamos a solidariedade, que faz a vida possível e abranda um pouco, calmamente, o pesar em nós.
Foto da Capa: Secom/RS
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