A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os bebês sejam alimentados exclusivamente com leite materno até os seis meses de vida. Após essa idade, o aleitamento deve ser mantido de forma complementar à alimentação sólida até pelo menos os dois anos.
Na primeira semana de agosto, aconteceu a Semana Internacional pelo Aleitamento Materno (Agosto Dourado), que tem entre seus objetivos alertar que o aleitamento materno só acontece quando existe um ambiente de justiça social e de gênero para que todas as formas de apoio ao aleitamento sejam reforçadas e incorporadas.
O aleitamento materno possui diversas interfaces, entre elas as razões biológicas, hormonais e sociais que são fundamentais para o empoderamento da mulher. Só esse aspecto já justificaria que esse assunto seja discutido não apenas em agosto, mas nos demais meses de forma constante.
A abordagem interseccional como objeto de estudos científicos sobre amamentação deve ganhar espaço nos serviços de saúde para a discussão e intervenção sobre as iniquidades raciais e de classe, para a geração de ações que propiciem a equidade para a promoção do aleitamento materno de mulheres negras.
Como profissional da saúde, estimulo o debate para o empoderamento das mulheres negras e a elevação de sua autoestima, além das diversas vantagens que esse processo assegura. Para tanto, é necessário o acesso à informação adequada por meio de um serviço de pré-natal que exija mais do que as políticas públicas exigem (seis consultas), e sim a garantia de vivências positivas que envolvam a rede social de apoio (gestores, profissionais, comunidade e famílias).
Mulheres vulneráveis são desestimuladas à prática do aleitamento materno: mulheres negras, mulheres trabalhadoras com baixo acesso aos serviços de saúde e educação.
O apoio que é necessário, muitos conhecem, mas vale a pena reforçar: encorajamento, informação adequada sobre os benefícios do leite materno para a criança e a mãe, cuidado atencioso durante o parto, orientação, tranquilização, rede de apoio e cumprimento à legislação que assegura atenção pré e pós-parto. Essa soma de práticas estimula a liberação de ocitocina – hormônio liberado no parto e na amamentação, que garante bem-estar à mulher, sendo uma ferramenta especialmente relaxante nos contextos de estresse e precarização.
Atenção para não reforçar a culpa às mulheres que não podem amamentar.
Esse texto visa também proporcionar reflexões sobre o tema da amamentação negra e visibilizar os movimentos que estão nessa caminhada como o Black Breastfeeding Week (Semana de Amamentação Negra), criada em 2012 nos Estados Unidos por três mulheres negras – Kimberly Seals Allers, Kiddada Green e Anayah Sangodele-Ayoka – com o propósito de incentivar e apoiar mães negras no processo de amamentação, principalmente no quesito representatividade. Destaco também a Semana da Amamentação Negra que acontece entre os dias 25 a 31 de agosto, idealizada pela psicóloga e consultora em amamentação, Fernanda Lopes, e a pediatra Tiacuã Fazendeiro. Em 2022 o tema da Semana é “Ninguém fica para trás!”, que aborda ações alicerçadas nos pilares da Justiça Reprodutiva, Antirracismo e Amamentação.
Mulheres negras escravizadas eram obrigadas a amamentarem crianças brancas enquanto seus filhos eram vendidos, e essas práticas têm um significado nos dias de hoje, quando mulheres (em sua maioria negra) não têm seus direitos trabalhistas respeitados. O artigo 136 da CLT garante dois descansos especiais de meia hora cada um durante a jornada de trabalho, porém não prevê condições adequadas para a amamentação, esgotamento do leite e armazenamento adequado. E as mulheres que trabalham na informalidade?
Para finalizar, que todos possam compreender que são parte da rede de apoio às mulheres que amamentam, e principalmente que estejamos atentos à invisibilização de mulheres em contextos de exclusão social e que também necessitam de apoio para a amamentar.
*Gisele Tertuliano é Enfermeira, Cientista Social e Doutora em Saúde Coletiva