Como boa iniciadora que sou – nem sempre tão boa finalizadora, admito – aprender a parar é das coisas mais difíceis dos meus dias comuns. Mas o que é um dia comum para uma mulher, esposa, madrasta de gente, mãe de pet, psicanalista de outras gentes e escritora?
Estou tentando descobrir. É um tal de mandar texto, ligar máquina, trocar a água da cachorra, dobrar roupa, conferir agenda, mandar e-mail, apagar o fogão, revisar o outro texto. Não, ainda não está bom. Liga a panela no fogo brando! Já confirmaste a reserva do hotel? Cadê o gato? E a garagem? Está incluída? Que página mesmo que eu tinha parado? Ops… Essa parte eu já li. Ah, melhor,… Assim reforça! Preciso mandar aquela mensagem, mas eu também preciso correr pra estender essa roupa. Não posso perder esse sol! Esse sol que nem parece ser o mesmo que virá amanhã e depois.
Faz cinco dias que eu devia ter escutado um áudio. Será que prescreveu? Eu respondi assim mesmo. Educação é prioridade na bagunça. Sempre! A minha bagunça, quando vem, é, ao menos, educada. Sai pedindo desculpa para tudo e todos, enquanto não resolve muito da vida. Ou resolve no ritmo que dá. Paciência! Uma vez li no rodapé de um dos escritos de Lacan – não há possibilidade de que eu me lembre qual, não adianta! – a besteira tem lá seus caminhos. A bagunça também, eu acho. No meu caso, sei que quando ela aparece é porque estou precisando diminuir o ritmo ou parar mesmo. Mas eu lá sei o que é parar? Assim, bem paradinha? O que sei é que aqui em casa tem uma rede. É a minha poltrona de leitura, mas ler é fazer algo; não entra pra conta do ócio pelo ócio.
Ainda não sei parar, mas vou no caminho desse aprendizado. Começa pela antipatia. Que horror! Em todo o caso, estou atenta. É que ando muito rançosa com pessoas que perdem o trem da aposentadoria. Me explico: é muito legal ser produtiva e ativa durante toda a vida, em parte é saúde. Mas tenho observado no meu entorno – e na minha clínica – como forçar a amizade com a vida laboral acaba sendo um tiro no pé. E vá pagar plano de saúde e nunca de viagem, só conhecendo hotelaria de hospital. E vá promessa de trabalhar menos e, logo ali, antes só mais um projetinho, ele diz. E vá ver amigo ser enterrado aqui, acolá, mas é que ele não se cuidava, coitado. Aham! Tá bom. E vá notícia horrível na rede social, mas nunca desinstala a porcaria do app. Tu viu? Tu viu que…?
Acabei de descrever meu espelho pra ver se eu tomo tento. Um treino interessante: agora, dia 21 de abril, estava marcada uma greve das redes. Dessa vez eu parei. Não posso mais perder esse sol.
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Foto da Capa: Gerada por IA.