Escutando músicas da década de 70/80, nacionais ou internacionais, chama sempre a minha atenção o fato de que elas quase sempre terminam da mesma forma, com o volume baixando gradualmente até silenciar. Antigamente, praticamente todas as músicas feitas terminavam assim, baixando o volume aos poucos, até sumir. Hoje não me recordo de nenhuma música que termine dessa forma.
Na minha infância, as televisões em tubo não ligavam de maneira imediata. Lembro de ainda pegar o tempo em que era preciso esperar o aparelho esquentar e aguardávamos, ansiosos, a imagem que começava a surgir muito lentamente, aos pouquinhos. Era preciso que o aparelho aquecesse para poder funcionar.
O carro no qual meu pai me levava para a escola todas as manhãs em praticamente toda minha infância, assim como as televisões, também precisava esquentar, especialmente nos dias de inverno. Lembro de estar sempre atenta e aguardar o momento em que ele puxava aquela alavanca próxima ao volante chamada de afogador, feita para que o motor ganhasse aceleração e o carro pudesse aquecer para então ser dada a partida sem ele apagar.
O tempo das coisas era outro, era um tempo de espera. Um tempo de vagueza, mesmo que por vezes a ansiedade para que a imagem aparecesse logo e o carro pudesse logo partir fosse grande. Mas lidava-se com ela. Hoje, a urgência das coisas nos priva do ato de tolerar e esperar. Mensagens, imagens, amores, recebidos pagos ou não pagos.
Em idos tempos, o mundo começava e acabava aos poucos, enquanto hoje os finais parecem abruptos para começos que pulam etapas, que saltam para finalmentes ansiosos. Em relacionamentos, não parece diferente. Talvez tal urgência surja por sabermos que as músicas estão mais curtas, a vida parece mais breve e o oxigênio menos respirável.
Eu jamais trocaria as evoluções tecnológicas pelo passado, mas o aprendizado da espera pelas chegadas e o preparo para as despedidas fazem-me falta, confesso. O afogador puxado, a tevê que esquenta, a música e o amor que esfriam antes de acabar. Às vezes vale a pena esperar antes de arrancar. Inícios prematuros e finais pouco vividos fazem do durante uma zona estranha e interminável.
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