Estou em São Paulo, a maior cidade da América Latina com todas a sua potência e caos potencializadas pelas diferenças, o que a torna intensa e reveladora deste nosso país chamado Brasil. Aqui tudo é grande, rápido, tumultuado e visceral como nas grandes megalópoles mundiais. Já conheço duas além de SP: Nova York e Paris. Ainda falta dar check na cidade do México, Nova Dhéli, Xangai, Tokio e Joanesburgo, um bom projeto pensando nesta minha alma inquieta e sedenta por multiculturalidade. Mas vamos por agora focar aqui no nosso Brasil.
Vim participar do 11º Festival do Clube de Criação, que é o maior evento de encontro dos profissionais do mercado publicitário brasileiro e internacional ao provocar reflexões sobre o fazer comunicação conectado a realidade brasileira. A programação contou com mais de 200 convidados abordando questões como diversidade, inclusão, sustentabilidade, música, cinema, fotografia, televisão, moda, games, podcasts, tecnologia, cultura e impacto. Dois dias do evento, em São Paulo, no memorial da América Latina, onde tenho a escolha de fazer o que a maioria das pessoas faz: passar por São Paulo sem conhecer São Paulo.
Já pensou nisto? Sobre as escolhas que fazemos de evitar as zonas sensíveis, de encararmos os problemas e de olharmos com reflexão para o que nos inquieta? Assim fazemos com a pobreza e a desigualdade todos os dias, em São Paulo, e fora dela em todo Brasil. Uns ignoram completamente, outros colocam um olhar assistencialista para se justificarem e continuarem suas vidas, outros mergulham na reflexão intelectual andando em círculos entre dezenas de teorias e alguns poucos olham com empatia e desejo de transformação radical.
Resolvi pegar o metrô em São Paulo, como fiz em Paris, para ir à estação da Luz com a intenção de visitar a Pinacoteca antes de ir para o Festival. Subi caminhando a Pamplona até a estação Trianon/ MASP, comprei meu bilhete e peguei o trem da linha azul até Paraíso. O que vi de diferente? Pouca coisa, nada em termos de tecnologia, mas muita diferença em termos sociais. Grandes metrópoles possuem no seu metrô o retrato de suas sociedades. Quem frequenta, se é para todos ou para alguns, se as estações destoam entre si, se há presença de “picpokets”. Chego até a rir quando vejo os vídeos na internet falando dos picpokets, é a sensação real que temos no Brasil.
No meu vagão do metrô também tinha arte urbana de um homem nordestino, poeta, fazendo um repente sobre ter vindo para São Paulo e ter caído no buraco quente. Com certeza nas outras metrópoles existem as periferias e áreas de buraco quente, mas provável que nenhuma tão quente quanto a do nosso país tanto para o bem para o mal. Desço na estação Paraíso já mais cheia, mais cinza, mais escura e pego o metrô para a estação da Luz. E quando desço, é de novo uma confluência de pontos, há mais tumulto ainda, a muvuca, e aquela multidão típica de São Paulo. Nota mental: é um sábado, 10h da manhã.
Me perdi, me achei, subo para a saída da Luz e me deparo com uma estação lindíssima, renovada, mas olho para os lados e sinto algo estranho. Muitas mulheres e homens em conversas bem claras de prostituição. Mulheres pretas, indígenas… não vi nenhuma branca naquele momento. Comigo outras pessoas passam pelo mesmo lugar rapidamente ignorando as pessoas e a situação. Ninguém tira o celular para fotografar aquela belíssima estação. Eu resolvi tirar uma foto, afinal fiz isto em Paris, como não posso fazer no meu país?
Procuro visualmente alguém que possa me dar uma informação segura da direção da Pinacoteca e encontro um funcionário da limpeza urbana. Me pareceu o mais seguro e isento para me orientar. Sigo a direção indicada e me deparo com a imponente Pinacoteca, com uma fila de pessoas do Brasil com seus looks visíveis de classes média e alta. Duas jovens entram antes de mim e discutem: “Esta situação aqui no entorno da Pinacoteca é lamentável. Tá, tem a desigualdade, mas sei lá eles precisam querer”. Falaram algo mais… e ainda ouvi: a tradicional família brasileira.
Neste momento, eu senti vontade de gravar um vídeo para meu insta onde coloquei: “O Brasil não perde nada para a o norte global em termos de riquezas e recursos. Mas somos pobres pela elite brasileira, ou quem se considera elite estar agarrado a sua ideia de privilégios. E não refletir que ao fazer isto se mantém a desigualdade e se potencializam ainda mais os problemas.” E escrevi como legenda: “A nossa pobreza como Brasil reside em manter a desigualdade.”
Me veio um insight de pobreza como um comportamento cultural que impede ações reais e concretas para transformar a realidade brasileira. Uma pobreza de espírito que deixa confortável quem tem e que gera medo no combate a desigualdade como se fosse uma perda. Aliás, isto foi bem ilustrado nos últimos 4 anos de Bolsonarismo, nos quais pessoas pobres, trabalhadoras abraçaram esta visão vulgar (desde que li no livro do Contardo Calligaris, amo usar o real significado desta expressão).
Mas também ilustrado nas relações das pessoas entre si, na desvalidação de quem vem da periferia, no mínimo, que é destinado para que as pessoas periféricas cresçam e se desenvolvam. Da marginalização que surge quando lhes são negados direitos como moradia, educação, saúde de qualidade. Além de barreiras classistas: um repertório elitizado que segrega enquanto vê a si mesmo como a expressão do bom gosto e da elegância.
Aqui é Brasil se diz de forma inflamada para expressar que este país tem seu jeito e sua força. Mas também se diz para deixar claro que este país não anda, patina e se justifica sempre de MANTER sua desigualdade. Em uma sala em Nova York na última semana, no Pacto Global, em evento da Rede Brasil, a futurista Amy Web provocou: “O Brasil é o país do futuro. Mas parece que quer ficar agarrado a um futuro que não acontece. Porque não parece encarar de fato o que é preciso para transformar o país e contribuir como potência global.” E eu acrescento, e isto não é sobre política, economia, pois é muito fácil cair nesta vala acadêmica que no final são ciências humanas e não exatas. São visões. A transformação do Brasil necessita de uma ação de mudança de mentalidade de as pessoas realmente abraçarem as diferenças e saberes diversos que somados podem realmente gerar potência e soluções para todos, e assim um país onde se orgulhe dizer: Isto é Brasil, p….
Amo o Brasil, mas vejo que transitar pelo mundo me faz ter mais bagagem, que cruzada com os meus saberes de mulher, preta, brasileira, de origem periférica, que trilha uma jornada diária para não ser desvalidada, me ajuda a construir um lugar onde minha voz e ação pode ser úteis para transformar desigualdade em equidade e inovação.
Foto da Capa: Rovena Rosa / Agência Brasil