Tenho visto tanto na imprensa quanto pessoas comentando: ah, mas ônibus precisa ter ar-condicionado! Ah, mas ela vive no ar-condicionado! Pois vou me atrever a fazer algumas provocações nesse momento em que estamos cada vez mais dependentes de ventiladores e refrigeração. Outros lados do impacto do uso desses aparelhos já estão aparecendo por aqui. A nossa conta de luz foi cinco vezes mais alta que a média.
Antes de mais nada, quem decide os rumos das coisas está imerso em ambientes com ar-condicionado. Bolhas de quem não sente na pele o que é pegar um coletivo lotado na hora do pico. Infelizmente, aqueles que deveriam se preocupar em governar bem precisam se dar conta de que as temperaturas tendem a subir. Isso é caso de saúde pública. Segundo que todo mundo deveria repensar sua forma de viver, de construir, de estar nesse planeta cada vez mais quente.
O estudo do Instituto Alana e do MapBiomas “O Acesso ao Verde e a Resiliência Climática nas Escolas das Capitais Brasileiras” aponta que 2,5 milhões de crianças estudam em áreas que são 3 graus mais quentes que em outros pontos da cidade. Faltam árvores, verde, planejamento mínimo, especialmente nas capitais brasileiras. Mais da metade das escolas públicas de Porto Alegre – 51,8% – estão nessas condições. Vale ver a matéria da Agência Pública, pois a situação da capital gaúcha é a “menos pior” entre as demais.
Que atividades os professores podem fazer com crianças em um ambiente tórrido? No Rio de Janeiro, inovaram com banho de mangueira na gurizada. Ou seja, todos os segmentos, conselhos profissionais, administrações precisam acordar para esse novo momento de planeta mais quente. A solução não é só instalar ar-condicionado!
Quantos arquitetos ou arquitetas se preocupam hoje com conforto térmico na hora de projetar uma construção? Quem leva em consideração hoje que vivemos em um contexto onde falta energia elétrica a cada temporal (ou seja, não adianta ter split)? Quem hoje pode se mudar para um lugar mais aprazível, com menos ilhas de calor? Uma amiga me disse que o clima em Vacaria está aprazível nesse verão escaldante.
Enquanto essas indagações me vêm à cabeça, os representantes máximos da prefeitura de Porto Alegre e do governo do Estado do RS estão na Holanda vendo o que o país faz para conviver com a água subindo. Ou seja, ainda estão assimilando o que aconteceu no maior desastre climático da história gaúcha. Enquanto isso, as ondas de calor já despontam como outro mega problema a ser encarado. Será que eles vão aprender que as cidades precisam de árvores, parques, áreas permeáveis? Será que irão visitar Unidades de Conservação que sirvam de filtros, esponja, para proteção de zonas urbanas?
Acho que estou perguntando demais. Mas, quem não tem perguntas a fazer, algum problema deve ter. Com tanto calor fazendo em várias partes do Brasil, os tomadores de decisão – empresários, presidentes de instituições, governantes, todos que têm alguma forma de poder – poderiam agilizar várias coisas para atenuar o sofrimento da população e promover a adaptação e a mitigação do impacto das altas temperaturas.
O município do Rio de Janeiro, por exemplo, tem usado o Protocolo de Enfrentamento ao Calor Extremo do município, cuja escala vai até o NC5. Na segunda, dia 17 de fevereiro, os cariocas chegaram a NC4, uma marca inédita desde a criação pelo município do protocolo em junho do ano passado. O NC4 é atingido quando a cidade registra temperaturas entre 40 graus e 44 graus por, ao menos, três dias consecutivos.
Entre as ações previstas nessa situação, está a abertura pela prefeitura de 58 pontos de resfriamento, orientação à população para a adaptação das rotinas que demandam exposição ao calor extremo e ao sol e a possibilidade de cancelamento ou reagendamento de eventos de médio e grande porte e de megaeventos em áreas externas. Mas e aqui no Estado de extremos climáticos, o que estamos fazendo?
Por favor, se alguém souber o que as faculdades de arquitetura e os conselhos profissionais estão fazendo para que se construa menos prédios envidraçados com ar central e geradores a óleo diesel, me conte. Também seria importante a sociedade civil organizada e todos aqueles que se incomodam com o corte de árvores na capital, que já foi uma das mais bem arborizadas do País, adotarem estratégias de protesto contra quem vem colaborando para a cidade ficar cada vez mais quente e alagada. Aliás, será que esse contexto de derreter cones no asfalto não poderia ser usado pelo Ministério Público para cobrar uma gestão municipal adequada à arborização urbana?
Se alguém puder também me explicar por que tem tanta poda de árvore em pleno verão, gostaria de saber. Toda vida soube que esse período não é adequado para esse tipo de manejo. Ou seja, mesmo com tantos recados que a natureza vem dando, os sujeitos com poder ainda acham que as coisas têm que ser do jeito que eles querem e não da forma que a natureza funciona.
Se na América do Norte tem um cara que está destruindo muitos anos de construção de conquistas por um bem-estar coletivo melhor (leia-se centros de pesquisa epidemiológica, climática etc.), em Porto Alegre, a prefeitura, que tem maioria na Câmara de Vereadores, conseguiu reduzir a participação da sociedade civil do Conselho Municipal do Meio Ambiente. De 27 foi para 24 membros, aumentando a representação do governo, de 7 para 12 membros.
E mais: nova Lei excluiu também as vagas do Conselho Regional de Biologia (CRBio-03), do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), da União Metropolitana de Associações de Bairros (UAMPA), da Sociedade Brasileira de Progresso à Ciência (SBPC), além de outras da sociedade como as universidades públicas e privadas, Ibama, Fepam, OAB, entre outras, segundo o professor de botânica da UFRGS, Paulo Brack. Ah, e aumentou de dois para quatro anos o período de mandato no conselho.
E mais, as diretoras de escolas municipais que reclamaram das condições de trabalho foram afastadas. As direções das escolas agora também serão nomeadas pelo prefeito, não serão mais eleitas pela comunidade escolar. Em reportagem no Sul21, a presidente do Conselho Municipal de Educação, Aline Kerber, relata que os afastamentos na EMEF Imigrantes e EMEI Tio Barnabé ocorreram porque as professoras denunciaram as fragilidades para o início das aulas.
Resumindo, tanto lá quanto aqui, quem vive a realidade, aponta os problemas e trabalha conforme os mecanismos de funcionamento da natureza têm sido calados, escanteados. Tudo para que os mais chegados, os amigos, entrem em ação para que as vontades dos donos do poder sejam estabelecidas.
Então, queridas e queridos, não tem ar-condicionado que dê conta de toda essa fervura. Ainda mais com tantas quedas de energia, tantos estouros de transformador. Só pra contextualizar: quem fica sem luz, não tem a quem recorrer, a CEEE Equatorial é protegida do governo do Estado.
Será que o governador e o prefeito da Capital farão uma coletiva sobre as novidades que viram na Europa? Se tiver, será que alguém vai perguntar o que eles pretendem fazer diante da frequência de ondas de calor? Será que a solução será instalar ventiladores de teto ou ar-condicionado?
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Foto da Capa: Tomaz Silva / Agência Brasil