Quando o panorama visto por vários ângulos é um tanto desolador, o jeito é esticar o olhar para além dos nossos umbigos, botões, janelas, ruas, esquinas, cidades em busca de horizontes limpos, luz, esperança. Organizar o delírio. Dar um trato na ansiedade. Buscar o equilíbrio razoável entre o caos e uma possível ordem que faça sentido. E lá vem a arte mais uma vez a me socorrer nesta tentativa de entender um país desordenado que se prepara para as eleições.
O mineiro Murilo Mendes, nascido em 1901, resume, com a simplicidade da poesia, o que é o lamentável cotidiano político em “Linhas Paralelas”:
Um presidente resolve
Construir uma boa escola
Numa vila bem distante.
Mas ninguém vai nessa escola:
Não tem estradas pra lá.
Depois ele resolveu
Construir uma estrada boa
Numa outra vila do Estado.
Ninguém se muda pra lá.
Porque lá não tem escola.
A sabedoria desses singelos versos define o que aí está. A política turbulenta, do desconhecimento e do descaso com as reais necessidades da população, que não se importa com a saúde, a educação, a segurança e a miséria escancarada em cada esquina.
Por isso, a importância de acompanhar a administração pública no país, no estado, no município, na cidade, na vila, no bairro, no entorno das nossas residências, na rua em que vivemos. É nosso direito e dever conhecer projetos e ações dos governos. A reforma de uma praça, a limpeza de bueiros, a coleta do lixo, a canalização de um córrego, a chegada do asfalto, a melhoria dos serviços, as mudanças na educação, na saúde e na segurança, a reutilização dos espaços e dos prédios públicos, as demolições que apagam a história, a preservação da memória, a acessibilidade, a inclusão e a necessidade de uma urbanização sustentável, que não contamine o meio ambiente.
“Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, escreveu Fernando Pessoa, um dos mais importantes escritores/poetas de Portugal. Mas a política praticada hoje no Brasil não tem alma. É mais predatória do que civilizadora. Mais escusa do que ética. Mais econômica do que social. Mais burocrática do que libertária. Mais individual do que coletiva. Mais “centrão” do que o povo e suas necessidades. Simplesmente acomoda os seus escolhidos no poder para não perder privilégios. E ponto! Lá em 1968, o pintor e escultor carioca Hélio Oiticica, em carta para a também pintura e escultora mineira Lygia Clark, já percebia isso: “Quando há real inovação, a sabotagem sempre impera”. O comentário diz muito dessa geleia geral em que mergulhamos.
O ano é de eleições. Hora do voto.
“Dessa hora tenho medo”, diz uma canção de José Miguel Wisnik
O momento é delicado e o jogo cruel e egoísta. Estamos mesmo interessados em investigar as ações ou omissões que geram a degradação da vida, a desigualdade, a miséria, a fome, a violência, o medo? Ainda sonhamos em construir uma nova política, voltada para o bem comum, sem privilégios? Ou estamos satisfeitos com a superficialidade da nossa mesquinha política eleitoreira?
Essa é a hora de manifestar o desejo de uma política contemporânea, feita com honestidade para o bem comum. Uma política que não tenha medo da mudança, do pensamento crítico, do aprendizado múltiplo, da diversidade, da história, da cultura, da arte, da liberdade, da criatividade, do nosso corpo e do nosso espírito. Uma política que não nos tire direitos legítimos para nos matar aos pouquinhos.