Uma das coisas mais chatas é ouvir alguém repetindo: eu avisei, eu sabia, tinha dito. Estamos diante de um contexto em Porto Alegre, ou melhor, no Rio Grande do Sul, em que várias pessoas, inclusive eu, nos artigos aqui no Sler, venho trazendo o tema da necessidade de nos prepararmos para enfrentar a crise climática. A semana passada mesmo, escrevi sobre a necessidade de adaptação.
O problema é planetário, só que há lugares no mundo em que a ocorrência de eventos extremos, como o que acabamos de passar nesta semana, serão mais intensos e frequentes. A região Sul é um desses pontos no planeta onde viver está mais emocionante. Quer dizer, perigoso. A capital do Rio Grande do Sul, além de sofrer com fortes tempestades, ciclones etc., em qualquer estação, tem apresentado temperaturas altíssimas.
Uma das consequências desse episódio mais recente na cidade foi a queda de árvores. Caíram postes, fios, muros, telhados. Milhares de pessoas sem energia, sem água, sem condições de viver com a mínima dignidade. E o velho jogo do empurra-empurra rolando. Enquanto o prefeito Sebastião Melo usa as redes sociais para se queixar da CEEE Equatorial, o processo de privatização do DMAE é defendido por ele como a solução dos problemas. Muitos trabalhadores experientes da CEEE, que sabiam como lidar em situações especiais como essa foram demitidos, se aposentaram, não estão mais no fronte. E no meio desse emaranhado de interesses e argumentos, quem se preocupa com as árvores, com as pessoas e o melhor para a coletividade?
O que tenho visto e ouvido a respeito dos estragos é estarrecedor. Muita gente dando palpite e transformando um tema seríssimo em opção ideológica. Então, vou tentar aqui contextualizar minimamente para que você, querido leitor ou leitora, antes de emitir alguma opinião, entenda que as árvores prestam serviços ambientais para todos: pássaros, insetos, inclusive para você que me lê.
É bom lembrar: as árvores são elementos da paisagem urbana e são seres vivos. Sim, vivos. Elas precisam de cuidados. E o que temos visto nas últimas duas gestões municipais foi o desmantelamento do sistema que monitorava, acompanhava e tratava desses seres vivos da cidade.
Atualmente há três instâncias que foram divididas para lidar com a arborização. A estrutura da Secretaria de Meio Ambiente, a antiga SMAM, que foi a primeira pasta municipal a tratar da política ambiental do País, foi dividida. A SMAMUS ficou com a atribuição de gerir as Unidades de Conservação, parques e praças, onde há muitas árvores, a Secretaria de Serviços Urbanos está encarregada de tratar da arborização urbana dos logradouros e a poda ficou a cargo da CEEE Equatorial, que contrata empresas terceirizadas para fazer o serviço. Foram aprovadas leis que facilitam o corte desses vegetais superiores.
O que tenho constatado é que não há uma gestão integrada. Não existe uma ação coordenada do que se deve ou não fazer com as árvores. Há uma enorme demanda pelo corte, faltam funcionários e técnicos capacitados para dar conta das solicitações. Por outro lado, creio que ninguém, nem terceirizados, retiram erva-de-passarinho e monitoram a sua condição.
Mas antes de você achar que a solução seria eliminar esses vegetais da área urbana, é essencial entender que hoje não há campanhas, dicas, informações ou mesmo ações para que os moradores ajudem a cuidar desses indivíduos. A esmagadora maioria da população mal trata as coitadas. Boa parte das árvores está espremida em um espaço restrito no meio do cimento ou das pedras do calçamento. A SMAM já teve um expressivo grupo de técnicos que inclusive ajudou a fundar a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (clique aqui para ler o artigo que fiz quando a técnica Maria do Carmo Sanchotene partiu, uma grande perda para cidade).
Também é vital considerarmos que com no calor de ‘Forno Alegre’, as árvores são elementos essenciais para regular o clima. São importantíssimas para a nossa saúde mental. E na hora de buscar um lugar para estacionar, todo mundo procura uma árvore para deixar o carro embaixo. Só que nos últimos tempos, o que temos visto, como eu também já comentei aqui é que parece que os seres humanos estão cada vez mais com desprezo e “raiva” das árvores porque elas “sujam”, caem folhas. Porque as raízes, na visão dessas pessoas atrapalham… E também porque as árvores representam riscos.
E aí, nessa era antropocênica onde uma das grandes ameaças é justamente a disseminação de Fake News, mentiras que saem da boca de gente que deveria ter a mínima noção do que está dizendo, as pessoas acreditam no que elas querem. Qualquer argumento pode servir para a pessoa entender que o pessoal da esquerda defende o verde é atrasado e o de direita é progressista porque prefere o letreiro, o negócio. Isso é um enorme equívoco. A natureza tem sido bombardeada por todos: da direita, da esquerda, do centro. Falta discernimento para compreender que as árvores são cruciais também para aumentar a retenção da água da chuva. Precisamos de mais área permeável, está mais do que na hora de melhorar e muito o sistema de drenagem urbana.
É urgente pensarmos em soluções. Instalação de fios subterrâneos, repensar que espécies devem ser mais plantadas – muito triste ver o grande número de jacarandás tombados – destinar menos espaço para a impermeabilização, ter as casas de bomba funcionando etc. Esse assunto precisa ser debatido. E não só quando boa parte do município está sofrendo os prejuízos da falta de luz. A crise climática não é novidade e tende a se agravar. E isso não é uma conclusão minha, é de quem pesquisa, investiga os rumos do que a nossa espécie vem fazendo com ela mesma.
Se temos praças, parques, árvores hoje é porque técnicos, ambientalistas, urbanistas, gente com visão de futuro anos atrás se preocupou com isso. E hoje, qual é a preocupação dos nossos governantes? Seriam as próximas eleições? Seria retribuir o apoio recebido paga ganhar o pleito? O que é melhor para a sociedade, ter serviços eficientes que foquem primeiro no bem comum ou no lucro?
Cartilha sobre árvores para cidade
No século passado, no tempo do fotolito, produzi e editei uma publicação que se encontra esgotada, mas que você pode conferir no meu site: 30 Árvores Estratégicas da Mata Atlântica – Por um Verde mais Vivo. Há exemplos de árvores que não devem ser plantadas em áreas urbanas, também traz alguns benefícios que cada espécie representa para a fauna etc. O conteúdo e os desenhos foram desenvolvidos pelo professor de Botânica Paulo Brack. Bem que essa publicação merece uma reedição.
Fotos: Acervo da Autora