A formação de grupos humanos aponta para um fenômeno peculiar. Ao mesmo tempo em que se fortalecem traços de identidade, fica evidente a exclusão de determinados indivíduos que não correspondem às características já assimiladas. Constrói-se, assim, uma teoria da normalidade e a discriminação se impõe afastando os “diferentes”: Pessoas com deficiência (intelectual, visual, auditiva, física, autismo, síndrome de Down), as chamadas “culpas de caráter individual”, como alcoolismo, homossexualismo, distúrbio mental, até os estigmas tribais de raça, nação e religião.
A mensagem é clara. Cada grupo no seu lugar fazendo o seu papel para evitar conflitos. O impulso primeiro do excluído, para garantir a sobrevivência nesse meio hostil, é ocupar os espaços pré-determinados e responder, passivamente, às expectativas. Não ocupá-los – a atitude saudável – é provocar a desordem. Minha reflexão é justamente sobre esse deslocamento necessário e os efeitos benéficos da diversidade na sociedade em que vivemos.
Não ignorar questões que afetam os excluídos, encarando as diferenças, é estimulante. Coloco no centro da cena o universo das pessoas com nanismo. Como se constitui este sujeito? Que posição ocupa em relação ao que se diz sobre ele? Acomoda-se ou resiste ao dito, instaurando aí um efeito crítico? Sacode as certezas sempre-já-estabelecidas a seu respeito? Traz o insólito, inquietando a maioria conformada aos padrões clássicos de beleza e comportamento?
As sociedades modernas, em razão de uma aspiração igualitária e perfeccionista, aderiram aos mecanismos que anulam ou mascaram as dificuldades de assimilar as diferenças. Já os grupos que sofrem discriminação lutam pela conquista de dispositivos legais que inibam o preconceito, o que é interessante, mas também pode mascarar o problema.
A questão pode ser vista por outro prisma. Não se trata de anular as diferenças, porque elas efetivamente existem. Não se trata também de reduzir a discussão à conquista de dispositivos legais, através da ação do Estado. Abstrair uma situação de anomalia, resultante de um processo histórico e cultural que fixa um modelo, no qual o sujeito se inscreve desde o nascimento, não é simples. O que queremos é alertar o sujeito excluído para a necessidade de vigiar os efeitos sobre ele próprio das noções que apreende e incorpora culturalmente desde um ponto de vista padronizado. Noções que tendem a torná-lo intimamente suscetível ao que aparece como seu “defeito”, levando-o muitas vezes a concordar que está aquém do que realmente deveria ser e desistir de lutar.