Simplesmente não está dando certo. Mesmo com alertas das Nações Unidas, noticiários frequentes, envolvimento de celebridades, protestos raivosos (não sem razão, promessas de políticos…
Esse trecho faz parte da Introdução do meu livro “Planeta Hostil”1, em uma espécie de desabafo que descreve a frustração de muitos cientistas e ativistas ambientais com a passividade com que seus alertas têm sido recebidos. Em que, apesar de parecerem receptivas, no fundo, bem no seu íntimo, as pessoas parecem pensar que estamos exagerando.
Diante de mais uma tragédia de grandes proporções no Rio Grande do Sul, o quarto evento extremo de chuvas e inundações em um ano eu faço novamente a pergunta2:
É alarmismo alertar para o que de fato pode acontecer?
Pois os cientistas e os ambientalistas vêm advertindo há décadas dos perigos do aquecimento global provocado pela emissão de gases de efeito estufa, incluindo o aumento da frequência e intensidade de chuvas e inundações. Além de muitos outros efeitos nocivos para os ecossistemas terrestres e marinhos, muitos dos quais são essenciais para a sobrevivência humana.
Inicialmente, como relatei na coluna de 11 de março, os negacionistas climáticos simplesmente tentaram negar que o aquecimento global estava acontecendo, afirmando que se tratava de erro na interpretação das medições.
Depois, quando ficou claro que o planeta estava de fato aquecendo, tentaram minimizar o efeito das emissões humanas afirmando que o aquecimento nada mais era do que um ciclo natural, como outros que ocorreram no passado. Ou seja, afirmar que o aquecimento era causado pela ação humana, e que ficaria cada vez mais grave se não parássemos com as emissões seria “alarmismo”. Em outras palavras, um exagero.
Mais recentemente, como também expliquei na coluna de 11 de março, os chamados novos negacionistas passaram a aceitar que as emissões humanas exercem alguma influência, mas afirmam que é pequena. Ou ainda, que o custo de se prevenir as consequências do aquecimento seria muito maior do que conviver com elas.
Eles estão errados. E os gaúchos e os brasileiros estão testemunhando mais uma vez a gravidade do erro de minimizar o que está acontecendo no planeta
Na contracapa do meu livro “Planeta Hostil” os editores escreveram: ao ler esse livro prepare-se para uma visão arrepiante de como as ações humanas alteraram irreversivelmente a Terra, transformando-a em um reino imprevisível e perigoso.
Notem bem. Não são minhas palavras. Em nenhum lugar do livro eu uso a palavra “arrepiante”. E até mesmo a expressão “alteraram irreversivelmente”, ainda que aplicável em alguns casos, não foi utilizada no livro para todas a situações.
Pode parecer uma estratégia de marketing. Mas posso assegurar, com base nas conversas que tive com eles, que a frase acima e o resto do texto da contracapa reflete o que os editores sentiram como leitores. A situação é muito grave, e eles procuraram descrever esse sentimento.
Pois bem, o livro que causa essa sensação foi escrito com rigor científico, ainda que eu tenha procurado escrever de forma acessível ao grande público. Todas as perspectivas e cenários apresentados se baseiam em fatos e dados comprovados.
Não há exagero em dizer que os efeitos do aquecimento global em termos de eventos extremos: tempestades, inundações, ondas de calor e muitos outros, já estão acontecendo, e ficarão muito piores se continuarmos injetando gases de efeito estufa na atmosfera. Não só você já percebeu isso. Uma grande quantidade de dados obtidos no mundo inteiro confirma que esse cenário é o mais provável.
A ciência não se propõe a adivinhar o futuro. Ninguém sabe exatamente como o futuro vai ser. Há sempre muitas incertezas. A ciência trabalha com probabilidades. O que muitos cientistas fazem, e foi o que fiz no livro “Planeta Hostil” é traçar cenários com base nas tendências verificadas atualmente. O que dizemos não é: isso vai acontecer. O que afirmamos é: se continuarmos agindo da mesma forma, é assim que provavelmente esse caminho terminará. São alertas, avisos de cuidado.
Como eu já mencionei em outros textos, a tragédia do Rio Grande do Sul é um caso à parte no contexto das mudanças climáticas. Os gaúchos, como aliás todo mundo, têm sido advertidos dos perigos do aquecimento global. E como em todo lugar, há os que levam isso a sério, e os que consideram chamar os cientistas e os ativistas climáticos de alarmistas.
Mas estes últimos estão cada vez mais ressabiados. Afinal de contas, o estado sofreu com quatro eventos extremos de chuvas intensas e inundações em menos de um ano. E várias ondas de calor nesse meio tempo. Ou seja, eventos que ocorriam uma vez a cada 5 ou 10 anos agora surgem com intervalos de meses.
Há anos que os agricultores gaúchos convivem com secas prolongadas e chuvas irregulares. Fortes tempestades causam danos às lavouras e às propriedades, no campo e nas cidades, por conta de chuvas, inundações, ventanias e granizo.
Culturas como a do arroz, do qual o estado é o maior produtor do país, estão se tornando economicamente inviáveis devido à instabilidade do clima.
Tudo isso é previsível e explicável pelo aquecimento global. Não só por conta da maior umidade contida na atmosfera, mas também por causa da mudança no padrão das correntes atmosféricas e oceânicas.
Alertar para isso foi alarmismo? Dizer que as coisas vão piorar é alarmismo? Avisar que se não reduzirmos em muito a emissão de gases de efeito estufa as tragédias vão se repetir com mais frequência e intensidade é alarmismo? Olhem para o que está acontecendo!
Outros fenômenos
Além dos eventos extremos relacionados à chuva e ao calor, e sem receio de ser repetitivo, relembro novamente outros fenômenos que preocupam os cientistas:
- O derretimento das calotas de gelo nas regiões polares. Este processo está ocorrendo de forma mais intensa que o projetado pelos modelos numéricos. Recentemente a capa de gelo da Antártica, que se esperava não ser afetada tão cedo, começou a perder gelo de forma acentuada.
Além dos efeitos no clima de todo o planeta, o derretimento das calotas de gelo dos polos pode levar a uma significativa alteração do nível do mar, causando enorme destruição nas regiões costeiras de todo o mundo.
- O derretimento do gelo nas montanhas. Também está se dando de forma muito acelerada. Como já descrevi na coluna de 26 de fevereiro, centenas de milhões de pessoas dependem das águas de degelo das montanhas para beber e manter suas atividades econômicas.
- A crise hídrica. Além da redução da disponibilidade de água pela redução do gelo nas montanhas, o uso abusivo dos recursos hídricos, o desmatamento e as secas prolongadas estão causando uma progressiva falta d’água em muitas regiões do planeta, podendo fazer com que bilhões de pessoas passem a viver sem água suficiente para suas necessidades pessoais, domésticas e econômicas.
- A destruição dos ecossistemas terrestres. Nós dependemos, para sobreviver, de um sistema complexo envolvendo as águas, os solos e as florestas, e grande parte dos seres vivos neles contidos. E estamos destruindo esses componentes essenciais da teia da vida em uma velocidade estonteante. É difícil estimar os danos que isso pode causar. Mas sabemos que sem água para beber e sem solos para cultivar nós não vamos sobreviver.
- A poluição química e plástica. Como se não bastasse a destruição que estamos causando nos sistemas naturais, estamos ainda introduzindo uma enorme quantidade de materiais artificiais altamente tóxicos para todos os seres vivos, inclusive nós (veja mais sobre isso nas colunas de 8 de abril e 22 de abril). Nem nossos corpos nem a natureza poderão assimilar toda essa quantidade de venenos por muito tempo.
Apesar de repetidos alertas, e da situação ser claramente descrita como muito grave, estamos fazendo muito pouco para evitar que todos esses efeitos se somem numa tempestade perfeita em termos de intensidade e poder de destruição.
Você talvez se lembre da história do sapo na panela. Dizem que se você jogar um sapo numa panela de água fervente, ele pula fora. Mas se você colocar um sapo em água morna e for aquecendo lentamente, ele fica lá até morrer cozido.
Não posso fazer o experimento3 aqui em casa porque, além de ser uma maldade com o bichinho, minha esposa tem horror a sapos. Mas a história serve de ilustração para a nossa dificuldade de reagir a situações ameaçadoras que, ao invés de aparecerem subitamente, ficam progressivamente piores, até que seja tarde demais para evitá-las.
Eu tenho procurado explicar em minhas colunas da Sler o porquê da nossa inércia. Ganância, ideologia, negacionismo, postura anticientífica. Há muitas explicações, mas nenhuma justifica não estarmos mais empenhados em resolver um problema que afeta a todos nós.
Continuamos parecendo os passageiros de um certo navio, festejando felizes enquanto o barco segue inexoravelmente rumo ao choque com o iceberg. A diferença é que eles não sabiam o que iria acontecer. E nós sabemos.
Notas:
1 O livro “Planeta Hostil” descreve de forma abrangente a degradação ambiental do planeta. Pode ser adquirido em livrarias de todo o Brasil, no site da editora Matrix (www.matrixeditora.com.br) ou na Amazon.
2Fiz essa mesma pergunta inicialmente num vídeo no meu Instagram @marcomoraesciência.
3Segundo os biólogos essa história é falsa. A regulagem térmica é um instinto básico de sobrevivência dos sapos (e de todos os répteis e anfíbios). Ou seja, se a água aquecer o sapo pula para fora. Por outro lado, se for jogado numa panela com água fervente, o sapo não pula, ele morre imediatamente.
Observação final: Para vídeos e textos adicionais confira também meu Instagram @marcomoraesciencia.
Foto da Capa: Reprodução de vídeo da Aviação do Exército
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