Em sua História Médica da Humanidade, Roy Porter conta que o Dr. Samuel Johnson, o conhecido crítico literário inglês do século 18, foi tocado pela rainha Ana como método de cura da escrofulose. E no dia de sua coroação em 1722, Luis XV tocou com suas mãos mais de 2.000 vítimas daquela doença. As mãos reais gozavam de grande prestígio e credibilidade como terapêutica de certas pestilências que endemicamente grassavam em toda a Europa.
Antes que Benjamin Franklin (1706-1790) iniciasse suas brilhantes reflexões sobre os raios, todo o mundo acreditava que eles fossem um fenômeno sobrenatural. Por esta razão, era costume armazenar a pólvora nas igrejas, devido à crença de que a mão de Deus as protegeria das descargas elétricas. Entre 1750 e 1784, 386 igrejas alemãs foram atingidas por raios e morreram nas explosões de pólvora 103 sacristãos e sineiros. Em 1767 caiu um raio numa igreja de Veneza em cuja cripta estavam armazenadas várias toneladas de pólvora. Na terrível explosão morreram durante a missa 3.000 fiéis. Como se vê, havia abundantes provas de que a mãos dos reis e a de Deus não curavam os doentes e não protegiam os fiéis dos raios. No entanto, como não havia interpretações ou discursos contestatórios sobre aquelas crendices, elas continuavam fazendo vítimas.
As experiências com a mão invisível do mercado são muito parecidas com aquelas crendices medievais. Porque, quantas vezes, entre 1973 e 2008, caíram os raios das crises nas economias de muitos países? Onde estava a miraculosa proteção dessa suposta e onipresente mão do mercado? O pensamento mágico, religioso, mesmo em relação a esta ficção econômica, é semelhante ao que movia multidões nos séculos passados à procura da proteção das mãos dos reis e das de Deus.
E, no entanto, Charles Mackay, em 1841 já nos alertava que: “O dinheiro também tem sido a causa do delírio das multidões. Nações, antes sóbrias, tornam-se jogadoras desesperadas e arriscam a própria vida num pedaço de papel. Os homens pensam como hordas, ao passo que só recuperam o juízo devagar, e um por um”.
Mais recentemente, o Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, avisou que “os felizes anos 90 continham a semente da destruição que causaria a crise econômica atual”. Nem a titulação acadêmica de Stiglitz, professor da Universidade de Columbia, nem seu passado de vice-presidente do Banco Mundial, nem a assessoria qualificada que prestou ao presidente Clinton, foram suficientes para chamar à razão a horda enlouquecida de aventureiros, estafadores e banqueiros que seguiram ensandecidos o megainvestidor Bernard Madoff, o qual prometia altas taxa de juros, mas que na realidade o fazia tendo por base a criação de uma “pirâmide”, vigarice das quais se acreditava que só otários nela “marchassem”. Pois Madoff arrecadou 50 bilhões de dólares com a colaboração experta e esperta até de grandes empresários e bancos internacionais.
Enfim, pior do que a crença nas mãos reais e divinas de antigamente, foi a fé de que estavam possuídos certos poderosos economistas na fraude financeira globalizada, que, afinal, se mostrou não passar de uma gigantesca burla, um jogo de cassino em que todos praticam artimanhas entre si, baseadas em grandes e sofisticados embustes financeiros.
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Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
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