Em janeiro de 2019, dei uma entrevista para o programa “As Músicas que fizeram a sua cabeça”, da rádio FM Cultura 107.7, apresentado por Ivete Brandalise. A proposta era que os convidados compartilhassem com os ouvintes momentos de suas vidas relacionados às canções. Eu trabalhava na TVE quando a rádio foi criada, em 1989, e a alegria da equipe foi grande. Virei fã. Adorava a programação. O convite para a entrevista foi um desafio delicioso. Vamos às canções!
- Luar do Sertão – Uma toada de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco (1914). Uma das músicas brasileiras mais gravadas, que meus avós maternos, minha mãe e minhas tias cantavam muito.
- Oh! Carol – Neil Sedaka (1959). Rock dos anos 1950. Minha irmã mais velha, Mariza, e os amigos cantavam e dançavam animadamente, o que me encantava.
- Quero que vá tudo para o inferno – Roberto e Erasmo Carlos (1965). O auge da Jovem Guarda. Fui muita fã de Roberto nesta época.
- She loves you – The Beatles. Deles, eu poderia escolher muitas outras canções, ou todas, porque acompanharam minha vida.
- Alegria, Alegria – Caetano Veloso (1967). A explosão do Tropicalismo no Brasil. Caetano é um dos responsáveis pela trilha sonora que me acompanha ainda hoje.
- Domingo no Parque – Gilberto Gil (1967). Também da explosão do Tropicalismo e dos festivais de música que aconteciam no Brasil e eram vertiginosos. Música cinematográfica, teatral, maravilhosa, que me emociona sempre.
- Maria, Maria – Milton Nascimento (1976). Música estimulante que foi trilha do primeiro espetáculo do Grupo Corpo, companhia mineira de dança contemporânea, criada em 1975. Vi no Teatro Presidente, em Porto Alegre.
- Sangue Latino – de João Ricardo e Paulinho Mendonça, com Secos e Molhados. E, claro, a presença definitiva de Ney Matogrosso.
- Angélica – Chico Buarque e Miltinho (1977). Homenagem a Zuzu Angel, mãe de Stuart Angel, jovem assassinado pela ditadura militar. Foi uma das fontes de inspiração para a tese de doutorado da minha irmã, Marlene, que acompanhei. Eu poderia colocar A Banda, outra canção emblemática, mas Angélica testemunha uma época cruel. É simbólica, comovente e forte.
- O Bêbado e o Equilibrista – de Aldir Blanc e João Bosco (1978), com Elis Regina. Outra canção simbólica sobre os tempos difíceis da ditadura militar no Brasil. “Meu Brasil que sonha / Com a volta do irmão do Henfil / Com tanta gente que partiu / Num rabo de foguete / Chora a nossa Pátria, mãe gentil / Choram Marias e Clarices / No solo do Brasil”. E ainda choram!
28 de janeiro de 2019
Em 2024, para descontrair, fiz uma segunda lista de canções
- London London – Caetano Veloso (1970). Criada na solidão do exílio em Londres, quando precisou sair do Brasil para não ser preso pelos militares que se instalaram no poder em 1964 e massacraram as artes e as vozes que protestavam contra a censura e o autoritarismo.
- Foguete – Roque Ferreira e Jota Velloso (2016). Música afetiva, nas vozes da família Veloso, que canta lindamente e me comove sempre que ouço – “É como diz João Cabral de Melo Neto, um galo sozinho não tece uma manhã”.
- Eu quero é botar meu bloco na rua – Sérgio Sampaio (1972). Casuarina e Lenine. Linda! Libertária! Um convite para a dança e, literalmente, para colocar o bloco na rua.
- O Ébrio – Vicente Celestino. Aqui com os maravilhosos rapazes do espetáculo musical e teatral Tangos & Tragédias, Nico Nicolaiewsky e Hique Gomes, que acompanhei, de 1984 até 2014, quando Nico nos deixou.
- Dança da Solidão – Paulinho da Viola (1972), com ele e Marisa Monte. De uma suavidade surpreendente!
- Samboleria – Totonho Velleroy (2014), com ele. Mistura incrível de ritmos que me fascinam, e mais um convite para a dança.
- Feito um picolé no sol – Nico Nicolaiewsky (1995), que ele canta de um jeito lindo, assim como Cida Moreira.
- Mamãe Oxum – Zeca Baleiro (1997). Outra canção que é um convite para a dança.
- Volver a los 17 – Violeta Parra (1962). Com Mercedes Sosa, Chico, Caetano, Milton e Gal Costa. A canção traz lembranças de um show que vi com Mercedes no Gigantinho. Em um momento, palco e plateia escureceram, o público ficou assustado, Mercedes pediu calma e disse “os lobos atacam no escuro”. Marlene estava comigo e o medo foi grande. Mas a luz voltou e o espetáculo foi maravilhoso.
- Tempo Rei – de Gilberto Gil (1984), com ele. Uma oração ao tempo, com a sabedoria e a humildade de um músico que é um mestre. “Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei / Transformai as velhas formas do viver / Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei / Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei”.
- Que tal um samba? – Chico Buarque (2022). Canção irônica, criada em tempos difíceis da política brasileira. Pandemia. Negacionismo. Deboche. Abusos de toda ordem, por aí afora. “Puxar um samba, que tal? / Para espantar o tempo feio / Para remediar o estrago / Que tal um trago? / Um desafogo, um devaneio”.
Todos os textos de Lelei Teixeira estão AQUI.
Foto da Capa: Mercedes Sosa / Wikemedia Commons