Toda história tem as suas origens. Às vezes, a gente conta só para conhecê-las. Antes que o tempo traga suas novas e contraditórias narrativas, deixa eu contar as origens da história de como vim parar aqui.
Havia prometido que nunca aceitaria o compromisso de escrever semanalmente. A escrita era para mim a liberdade, a hora minha, de dentro para fora. Meu modelo só poderia vir do personagem de outra história: Zorba, o Grego.
Zorba (foto da capa) topou acompanhar seu patrão intelectual, prestando toda sorte de serviços para ele, em uma ilha paradisíaca. Sabia e assumia a condição de empregado, com uma única e outra condição: quando tocasse seu instrumento, nada lhe fosse pedido. Aquela hora seria toda dele.
A escrita é o instrumento da minha hora, nesta vida de tantas castrações, como diz a psicanálise de Freud. Ou de tantas concessões, como diz Bion, um psicanalista pós-freudiano. Pago contas, presto serviços, mas, de vez em quando, toco o meu instrumento.
Só quando quero, de dentro para fora – repito -, sem patrão com nome, sobrenome, endereço. Ou tempo. Por isso, jamais aceitaria escrever semanalmente. Meu mantra já estava chancelado pelo Zorba, até que o zap me chamou.
Era um amigo, o Léo Gerchmann. Havia me indicado para escrever semanalmente na plataforma Sler, espaço que acompanho como leitor fascinado por artigos, crônicas, colunas, sem contar a presença de amigos, como o próprio Leo.
Então, a conversa começou. Eu disse algo sobre tema, ele rebateu sobre pauta. Depois, falei sobre o meu pai que foi amigo do pai dele. Tinham, aliás, o mesmo nome – Henrique – e eram gremistas.
O assunto seguinte, portanto, foi o Grêmio, partindo da chance recente perdida de encaminhar contra o Corinthians um título improvável, em um dos episódios mais hediondos de desperdício da oportunidade de vencer. O futebol imita a vida, blábláblá, blábláblá.
Não sei qual foi a ponte disso para falarmos das filhas, mas ela foi construída, ainda antes de a conversa terminar. Terminar? Conversas são infinitas, segundo o crítico Maurice Blanchot, que deu esse título à sua clássica trilogia. Na França, país da “bavardage”, da conversa fora, da conversa fiada, da arte da conversa.
Conversa infinita. Precisamos disso. É conversando que a gente se entende, segundo o dito popular. Ou, segundo o dito psi, é conversando que a gente suporta se desentender. Conversar mata a morte, parodiando Romain Rolland, amigo íntimo de Sigmund Freud.
Por isso, topei estar aqui. Semanalmente. Não para trair Zorba, o grego, e entregar de mão beijada a liberdade de lamber meu instrumento na hora que eu quiser, mas para poder conversar. Sim, precisamos de uma conversa pretensamente infinita para nos afastarmos do silêncio eterno e mortífero que a espia.
Foto da Capa: Reprodução