Silvio Marques lançou há poucos dias nas plataformas de áudio seu álbum solo chamado Um som. A música que dá título ao trabalho é uma das quatro em parceria comigo presentes nesse lançamento.
Digo isso com orgulho, pois o Silvio Marques é um dos artistas que são referência na minha formação musical, cultural e geracional. Ao lado do Nico Nicolaiewsky, do Pezão, do Chaminé, essa foi a formação a que assisti, porque antes tinha também a baterista Gata, que formaram a banda Saracura. Num misto de rock e um pouco de ritmos gaúchos, arrasavam nos seus cultuados shows na primeira metade dos anos 1980.
No repertório deles, havia canções do Silvio, do Nico, do Cláudio Levitan, do Mário Barbará e do Kledir Ramil. Letras e músicas que soam até hoje fortes e extremamente originais. Se pode se dizer que houve no mesmo período algo que se convencionou chamar de “vanguarda paulista”, movimento que abrigava nomes como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Rumo, Premê, Tetê Espíndola, também se poderia chamar a intervenção do Saracura de vanguarda gaúcha.
Não se trata, nesse caso, de música dodecafônica e outros refinamentos dentro da estrutura propriamente musical, mas de misturar gêneros, um pouco como fizeram Os Almôndegas, de introduzir um discurso às vezes ácido, como o da canção “Tango da Mãe”, meta gênero, como o “bolero, lero, lero”, sexo, sanfona e rock and roll com a forte presença de palco do Nico contrabalançada com a doçura do Silvio – yin e yang.
Há alguns anos, o Silvio Marques me convidou pra fazermos umas músicas juntos. Fizemos umas vinte. Duas delas, eu gravei e estão no meu EP DUK7 e no meu álbum Silvestream, “Andante” e “Muito prazer, eu mesmo”. Agora, ele gravou também essa última e mais “Um som”, “Aldeia” e “Supernova”.
Na nossa parceria, entro com as letras, ele com as músicas. Há outros dois letristas parceiros dele também nesse álbum: Orlando Nascimento, que já assinava com Silvio no Saracura a clássica “Toda Moça”, e Marco Dierchxs.
Uma das canções de que mais gosto do álbum tem letra e música do próprio Silvio: “Eu disse talvez”. Vale ler/ouvir inteira: “Eu disse que sim pra não magoar você/Eu disse que não pra ser feliz então/Eu disse talvez em vez de sim ou não/Eu disse depois/Mas o que foi tão ruim também foi bem demais/a mais pra nós dois/Eu disse pra sempre/Eu disse também nunca mais”.
É linda essa letra, pois vai deslizando por todas as contradições que se abrem nos vãos entre as palavras e os sentimentos. As palavras do amor se firmam e se esboroam na aposta entre o pra sempre e o nunca mais. Quando fez essa canção, o Silvio me mandou pra eu ouvir, sugerindo que eu escrevesse uma segunda parte para a letra. Eu ouvi e respondi que não precisava de mais nada, que já tinha tudo de que precisava, que estava perfeita.
Essa história me lembrou o que disse o Chico Buarque sobre o Tom Jobim. Tom é autor de letras maravilhosas, como a de “Águas de Março” e de “Luíza”, por exemplo. Chico disse que o Tom poderia fazer perfeitamente as letras de todas as suas músicas, mas que devia ficar com preguiça e então chamava um parceiro.
Entre agora na sua plataforma de áudio pra ouvir Um som do grande Silvio Marques.
Foto da Capa: Reprodução do Youtube
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