Você tem pelo menos um exemplar nas suas relações. A gente diz que tem implicância com alguma coisa, e a pessoa discorre por longos minutos em defesa do objeto da sua implicância. Se bobear, cita estudos com dados e datas que você acaba supondo verdadeiros porque não vai perder tempo pesquisando por conta de uma prosaica implicância. Quando diz que achou um filme muito divertido, ela prontamente se põe a enumerar os furos do roteiro, as falhas de caráter do diretor e a absurda pegada de carbono que o tipo de filmagem deixou para trás. Ou então, ao ouvir uma afirmação casual de mesa de bar na linha de “eu, como boa pisciana…” lança-se em uma diatribe contra o absurdo que é acreditar em astrologia, prontamente acusando a pisciana de anticiência e terraplanista. É o que costumo chamar de “chato baseado em evidências” ou Sério Profissional.
Quem faz piada sobre tudo o tempo todo também chateia, claro, mas ao menos o gozador tende a levar na boa quando a gente chama a atenção para o fato de que ele está passando dos limites – normalmente fazendo mais um chiste, provavelmente sem graça. Um dos maiores problemas do Sério Profissional é que ele espera que a audiência esteja sempre a postos para uma de suas palestras e ouça com reverência às revelações sempre tão bem embasadas que ele tem a fazer. Em suma: falta-lhe uma boa dose de semancol. E é melhor não apontar isso, sob risco de detonar mais uma exposição sobre a relevância para o mundo de ser como ele é. Porque o Sério Profissional tem convicção de sua capacidade de mudar os rumos da humanidade.
Antes que o prezado leitor ou a prezada leitora argumente que existem pessoas neuroatípicas que apresentam esse comportamento, esclareço: não é em absoluto a elas que estou me referindo. Em algum momento, o Sério Profissional escolheu ser assim, tem objetivos que pretende alcançar com esse comportamento e, desconfio, faça um esforço sobre-humano para manter a leveza, a espontaneidade e o humor fora da equação. Não raro, quando percebe que o interlocutor de quem ele deseja alguma coisa aprecia essas qualidades, o Sério Profissional dá um jeito de incorporar arremedos de leveza, espontaneidade e humor em seu comportamento. Com extrema seriedade.
Ele é aquele que, quando você reclama que o bife veio passado demais, argumenta que pelo menos você tem um bife para comer, porque tem muita gente passando fome. Ou então faz uma prolixa explanação sobre o aquecimento global só porque você comemorou o dia de calor que está fazendo em pleno inverno. Chato! Chato! Chato! O sujeito (ou sujeita, ou sujeite, já que existem Sérios Profissionais de todos os infinitos gêneros) é o contraponto perfeito para aquele que reclama que “o mundo está chato” porque não se pode mais fazer piada racista, machista ou homofóbica. Como sói acontecer com extremos do espectro, se merecem. E, por mim, a gente trancava os dois tipinhos numa sala e deixava lá, infernizando-se mutuamente.