Maurice Joly (1829/1878) foi um escritor político e advogado francês.
Em 1864, Joly escreveu sua obra mais conhecida, O Diálogo nos Infernos, como um ataque satírico ao autoritarismo de Napoleão III e uma defesa do republicanismo. A peça representa o recurso literário de um diálogo dos mortos. Sombras das figuras históricas de Maquiavel e Motesquieu se encontram no Inferno e disputam ideias sobre política. Dessa forma, Maurice Joly tentou esconder uma crítica direta, e então ilegal, ao governo de Luís Napoleão.
No Diálogo, Maquiavel afirma que ele “… nem precisaria de vinte anos para transformar completamente o caráter europeu mais indomável e torná-lo tão dócil sob a tirania quanto o povo degradado da Ásia”. Montesquieu insiste que o espírito liberal dos povos é invencível. Em 25 diálogos, passo a passo, Maquiavel, que pela trama de Maurice Joly representa secretamente Napoleão III, explica como ele substituiria a liberdade pelo despotismo em qualquer país europeu: “..E profetizou que, o poder absoluto não será mais um acidente da fortuna, mas se tornará uma necessidade da sociedade moderna.
No livro O FIO E OS RASTROS, Carlo Ginzburg reproduziu uma afirmação de Joli de 1875, mas que se torna notavelmente atual: “A forma moderna de despotismo inclui eleições livres e liberdade de imprensa”.
Comentário de Gizburg: “Com a imprensa e as eleições dominadas por dinheiro de origem secreta e influências políticas de grandes empresários e banqueiros com cofres em paraísos fiscais, os Estados democráticos parecem muito mais poderosos do que eram há 150 anos quando Joly publicou sua profética análise do despotismo moderno. O controle que as instâncias citadas exercem sobre a sociedade é muito mais apurado e eficaz, ao passo que o poder dos cidadãos é esparso, limitado e débil, já que não têm acesso aos meios de comunicação nem às espessas verbas empregadas em conluios eleitorais.”
Sim, Churchil tinha razão ao afirmar que “a democracia é o pior regime de governo com exceção de todos os outros”, mas quando nos EUA, o maior país democrático do mundo, apenas uma minoria de cidadãos exerce o direito de voto, um direito político que muitas vezes se esgota ao colocá-lo na urna e assim a autolegitimação da democracia parece fortemente abalada, ainda mais sabendo-se que se alternam no poder apenas dois partidos de políticas internas e externas semelhantes e ambos fortemente amparados por poderosos interesses financeiros, industriais, armamentistas, todos ancorados e propagados pela abrangente , facciosa e rica estrutura midiática do país.
Por sua vez, Humberto Eco, no livro O CEMITÉRIO DE PRAGA, acrescenta mais algumas afirmações de Maurice Joly quando este, se referindo a Napoleão III, diz que “Este miserável conseguiu realizar o despotismo graças ao sufrágio universal e deu um golpe de Estado autoritário recorrendo à obediência bovina do povo, assim nos mostrando como será a democracia do futuro”.
Joly foi profético, já que antecipou – segundo Otto Maria Carpeaux – o protótipo de todos os posteriores Estados fascistas ao denunciar o de Napoleão III, acusando-o de armar uma conspiração maquiavélica contra a liberdade, produto de espíritos infernais.
Episódios recentes em nosso país, confirmaram a visão profética de Maurice Joly, que acabou se suicidando em seu quarto de um modesto hotel, provavelmente por sentir vergonha e de se julgar inoportuno como cidadão, viver naquele deplorável momento histórico da França.
Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
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Foto da Capa: Wikipedia