É preciso saudar, em nome da inclusão e da diversidade, as primeiras deputadas travestis eleitas para a Câmara dos Deputados, Erika Hilton (PSOLS/SP) e Duda Salabert (PDT/MG). Em uma eleição marcada pelos preconceitos contra a diversidade sexual, com o discurso da extrema-direita apoiando-se na homofobia e na transfobia (e recebendo, inúmeras muitas vezes, o respaldo das urnas), é importante saudar essas representantes transsexuais no Congresso Nacional.
Campanhas que têm histórias de verdadeiro heroísmo pessoal e marcadas pela violência e constantes ameaças que impediram Duda Salabert de votar com sua filha e a obrigaram a vestir um colete à prova de balas para poder votar. A candidata, ainda, chegou à seção eleitoral em um carro blindado e acompanhada de escolta policial para se proteger dos grupos neonazistas e supremacistas brancos.
Os direitos das pessoas LGBTQIAP+ têm se tornado a nova fronteira dos direitos civis e humanos. O próprio direito de uma pessoa trans fazer xixi em um banheiro de shopping… repito, o direito de fazer xixi em um banheiro de shopping leva a discussões ideológicas, discurso de ódio e pânico moral.
Acompanhar os relatos de pessoas transsexuais e travestis nas redes sociais é observar as dificuldades para acessar os direitos mais básicos, uma realidade onde uma consulta médica ou uma ida a um posto de saúde pode se tornar um tormento e que o cotidiano é marcado pela onipresente ameaça de violência e assédio verbal.
Direito ao trabalho? Duda Salabert, apesar de ser uma professora conhecida nos colégios de Belo Horizonte, foi demitida após ameaças dirigidas aos diretores da escola particular onde lecionava. Tudo isso é comum no país que mais mata travestis e transsexuais no mundo, fazendo com que sua expectativa de vida não supere os 35 anos. Note-se: em muitos casos de violência extrema e bárbara.
A extrema-direita global transformou a restrição dos direitos das pessoas trans em bandeira política, justificando a discriminação com o discurso de defesa da família e proteção das crianças.
Bastante ilustrativo disso são as quatro perguntas que os eleitores húngaros, país baluarte da ultradireita mundial, tiveram que responder em abril deste ano:
- Você concorda que crianças possam receber educação sexual na escola sem a permissão dos pais?
- Você concorda que crianças possam receber informações sobre tratamentos para mudança de sexo na escola?
- Você concorda que crianças possam receber, sem restrições, educação sexual nas plataformas de mídia?
- Você concorda que crianças possam receber, sem restrições, informações sobre tratamentos para mudança de sexo na escola nas plataformas de mídia?
Bolsonaro anda na mesma direção, em fala denunciada judicialmente por Hilton, ao misturar transexualidade com caráter e misturar o tema com o discurso de proteção às crianças e de culpa das escolas: “O que nós queremos é que o Joãozinho seja Joãozinho a vida toda. A Mariazinha seja Maria a vida toda, que constituam família, que seu caráter não seja deturpado em sala de aula.”
É preciso combater o discurso que desvaloriza e discrimina pessoas transexuais, é preciso amparar e acolher as diferenças em uma sociedade que as veja como riqueza e não como fraqueza ou falha moral. Para isso, representatividade importa, mas não basta.
A eleição de Erika Hilton e Duda Salabert não representa a linha de chegada, mas o começo de uma nova corrida. Seu corpo e sua voz causam estranhamento pois jamais são vistas em posições de poder, mas serão preciosas no combate à invisibilidade da comunidade trans e todas as visões negativas que lhes são injustamente impostas. Não será fácil.