De um lado e de outro são diversos os prazeres, as delícias e os exageros, assim como são inúmeros os dissabores, as inconveniências e as dores. Fundamentais e necessárias, para o bem e para o mal, são as relações humanas que dão sentido ao nosso estar no mundo. Não tenho dúvidas de que é com o outro – familiares, amigos, colegas, vizinhos, conhecidos e desconhecidos – que expandimos sentimentos, dividimos intimidades e o cotidiano. Em casa, no trabalho, no lazer, no transporte público, nas praças, nas ruas, nos bares, restaurantes, campos de futebol, viagens, teatros, cinemas, em todo lugar. Os encontros podem vir acompanhados de boas conversas, críticas, silêncios, comentários, conselhos, desabafos, julgamentos, franqueza desnecessária ou elogios em excesso acomodados em superlativos que intimidam e roubam a naturalidade. “Tu és uma guerreira”, por exemplo. Mas há sempre, é claro, a opção do recolhimento.
Quem de nós dá conta das exigências que o externo coloca no nosso caminho, especialmente se temos uma diferença marcante? Eu, particularmente, não dou.
Não quero rótulos. Não quero pressão, muito menos elogios exagerados que chegam já delegando uma enorme responsabilidade, sem pedir licença. Mas minha opção sempre foi o coletivo, jamais a fuga e o recolhimento. As relações humanas parecem precisar desses anteparos para manter uma aparência, que sempre achei desnecessária porque na verdade somos seres ambíguos e imperfeitos, não importa a condição. “As pessoas não são parelhas, minha filha”, disse meu pai uma vez em que o questionei sobre a atitude de um amigo com ele, que achei grosseira. E o pai tinha razão! As relações estão expostas cotidianamente às intempéries e aos humores e nem sempre são cristalinas, “parelhas”, o que é da natureza humana.
Há amor, mas há ciúme. Há empatia, mas há cobrança. Há respeito, mas há pressão. Há sensibilidade, mas há grosseria. São inúmeros os julgamentos e por muito pouco os cancelamentos, tão comuns nos dias de hoje, jogam os amigos no limbo. Sem direito a um diálogo civilizado, uma troca de olhares, um aperto de mãos, um abraço fraterno. Parece que os espaços para divergir, dizer um não, silenciar, mostrar o desejo de recolhimento diminuíram. Temos que estar sempre prontos para a “batalha”. Tudo é motivo para questionamentos, às vezes tão infundados e com sentenças tão absurdas que afastam as pessoas. Não é depressão. Não é doença. Não é recusa banal. Até porque o viver cotidiano não é uma disputa e nossas demandas internas precisam ser entendidas, atendidas e administradas, de preferência, com lucidez e atenção, sem encarceramento, sem o olhar capacitista que contamina os ambientes e ainda vê as pessoas com deficiência como seres inferiores ou menos capazes que os demais.
Precisamos olhar com carinho para as nossas fragilidades porque elas existem e não há “guerreira/guerreiro” que segure os rojões do mundo ao redor em determinadas situações.
Mas o que seria de nós sem as relações afetivas, a participação, a presença, a consciência do eu e do outro, com suas delícias e inconveniências? O que seria de nós sem os ombros que nos suportam com bom ou mau humor? O que seria de nós sem as vozes que nos chamam para a vida em momentos difíceis e nos levam pela mão, respeitando nosso momento, nossos medos, fraquezas, inquietudes, incertezas, experiências, mas impulsionando o nosso caminhar?
Onde há humanidade há compreensão, há coletividade, há enfrentamento, há confiança, há ênfase nos vínculos afetivos, com suas tantas delícias e inconveniências. Portanto, não podemos ter medo das nossas vulnerabilidades diante de situações que nos fragilizam. Quando o mundo ao redor nos olha e nos acolhe, nossa vida se enche de horizontes luminosos.
Foto da Capa: Dương Nhân / Pexels