Na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. Depois, a minha irmã mais velha
casou-se. Depois, a minha irmã mais nova
casou-se. Depois, o meu pai morreu. Hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. Cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. Mas irão estar sempre aqui.
Na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco. Enquanto um de nós estiver vivo, seremos sempre cinco.
(Na hora de pôr a mesa)
Li recentemente este poema do escritor e dramaturgo português José Luís Peixoto e instantaneamente revisitei várias mesas da minha vida. E árvores também. Dezembro tem o poder de me deixar sensível e emotiva. Não é o meu mês preferido do ano. Nunca foi. Sou de inícios e não de fins. Gosto de ver o dia nascer. Gosto de janeiro a novembro. Dezembro, eu enfrento com melancolia. Dezembro tem mesas e árvores. Este ano, montei a nossa árvore de Natal sozinha. E me sentei na mesa ao lado da pequena árvore com luzinhas. E li o poema sozinha.
Olho para os lugares vazios ao meu redor e, neste instante, vejo que neles cabem tantas pessoas. Antes tínhamos mesas enormes, tão grandes como as árvores, tão frondosas quanto a família. Tudo foi diminuindo de tamanho: as mesas, as árvores e a família também.
Lembro da mesa infantil na casa dos meus pais. Éramos cinco. Meu pai morreu, mas antes saiu de casa. Com ele, uma parte da família foi junto. Avós, tios, primos também se separaram da gente. E o tempo em que dividíamos as festas e a mesa das festas chegou ao fim. Já não tínhamos um fim de ano aqui, outro acolá. Já não tínhamos o Natal com a família do pai e o Ano Novo com a família da mãe, sabendo que no próximo ano seria trocado. Menos mesas, menos árvores, menos família.
Mas tínhamos a família da mãe. Avó, tios, primos. Muitos primos. O avô já não estava, mas a avó sempre lembrava dele quando fazia a leitura antes da ceia. Então ele estava também. E nossas mesas eram enormes, coloridas. Cada um que chegava trazia alguma coisa. Tínhamos mais comida que mesa. E mais presentes que árvore. E cada ano mais. Nós, os primos, formamos nossas famílias e houve um momento em que quase tínhamos mais gente do que espaço na casa. A família da mãe compensava a família do pai.
Depois, a avó morreu. Depois, um tio morreu. Depois, muitos mudaram. Depois, nós nos mudamos. As mesas já não eram tão grandes e as árvores também não.
Dezembro tem também esse poder: ele delibera sobre meus pensamentos. Eu aqui sentada ao lado da árvore pequenina, lembrando do que passou, imagino outra mesa, em outro lugar, com todos reunidos.
Nesta mesa enorme estão meu pai e minha mãe, meu pai(drasto), meus irmãos, os dois avós e as duas avós, todos os tios, primos e sobrinhos de ambas as famílias. Estão meus filhos, meu neto, meu marido e eu. E toda a família que ganhei quando me casei.
Não tem árvore ao lado da mesa, mas ela está coberta com uma toalha branca e leva no centro um jarro de vidro com flores frescas. Tem pão e tem vinho. A poesia está nos detalhes. A memória se esconde no tato, nos olhares, nos sorrisos, no sabor e no perfume da comida. Há uma brisa morna que aviva entre nós o sentimento adormecido do tempo que foi, do passado distante. A mesa imaginária recria a história. A nossa história. Esta é uma mesa nova, distinta, mas que acolhe tantas mesas de uma vida.
Enquanto um de nós estiver vivo, como disse o poeta, seremos sempre muitos. Em qualquer mês, em qualquer lugar ao redor da mesa que quisermos imaginar.
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Foto da Capa: Freepik