Será que um dia a população que sobrevive nessas inúmeras e enormes áreas de risco nas periferias das grandes cidades vai ser atendida, depois de mais uma tragédia – como essa deste janeiro de 2024 – que mata gente, destrói sonhos e leva embora até a história de centenas de família, por um programa oficial chamado Vida Nova?
Pergunto depois de saber, como todo mundo sabe, que o governo do Rio ajuda os flagelados da última tragédia, também chamada, agora, elegantemente, de evento climático extremo, com um programa intitulado Recomeçar. Sei, também, que todos os estados onde há flagelados (alguém sabe de algum onde não há flagelados?) têm programas assistenciais. Só não sei os nomes que imprimem no cartãozinho para sacar a ajuda.
Aliás, deixa eu me corrigir aqui. Dizer última tragédia é muito otimismo, não? Melhor tratar como a mais recente tragédia…e esperar, tristemente, pelo recomeçar
Não sei com que intenção o governo carioca usa o verbo recomeçar. Se foi para motivar as vítimas, errou feio. Afinal, aquela gente toda não faz outra que não recomeçar todos os anos (dias?)…É só prestar atenção ao que dizem os moradores das áreas pobres das grandes cidades no Brasil inteiro, de norte a sul, de leste a oeste, como a senhora carioca que vi falando a um jornalista: “Eu moro aqui há mais de 10 anos e todo o ano é a mesma coisa. A gente perde em minutos o que levou a vida inteira pra juntar, quando não perde a vida mesmo…”
E isso é o que mais se ouve e se lê nas reportagens sobre deslizamentos de encostas, cheias de rio e córregos, ventanias e transbordamento de redes de esgotos que vitimam milhares em todas as regiões do país.
Enfim, quando se trata de tragédias – principalmente as das periferias – tudo se repete. Até as autoridades se repetem. Recomeçam a relatar todos os investimentos que fizeram e lamentam que o volume de água e a força do vento foram demais, recomeçam a garantir que ninguém ficará sem apoio, recomeçam a repetir os riscos que trazem as mudanças climáticas…
As perdas neste 2024 – perdas e vidas em primeiro lugar – ainda não estão contabilizadas. O ano recém começou. E os institutos de meteorologia alertam que vamos até agosto, pelo menos, com instabilidades no clima.
Mas, no ano passado, a Confederação Nacional dos Municípios atendeu um pedido da rede CNN e fez um levantamento dos prejuízos causados pela seca e pelas enchentes no Brasil.
Até setembro de 2023, quando o levantamento foi divulgado, só no Rio Grande Sul tinham morrido 67 pessoas. Vítimas de um único evento. O ciclone que varreu o estado. Em dinheiro, foram mais de R$ 50 bilhões. Governos – estaduais e municipais – editaram 3.340 decretos de alguma anormalidade. Foram mais de 1.800 por causas das chuvas e mais de 1.300 provocados pela secas. Prédios, ruas, estradas e avenidas afetadas pelas tempestades deram prejuízos de R$ 2,1 bilhões. A edição de decretos de calamidade pública e situação de emergência já recomeçou este ano…
Todo mundo fala sobre as mudanças climáticas aceleradas pela ação humana, todo mundo pede que cada um tenha mais cuidado com o meio ambiente. Mas quem aí – especialmente as autoridades públicas – está fazendo objetivamente alguma coisa para evitar ou, pelo menos, reduzir os efeitos negativos dessas mudanças naturais?
É tão claro que a coisa vai se repetir, que todos os governos incluem nos seus orçamentos fundos para cobrir os prejuízos com tragédias climáticas.
Então, faço outras perguntas:
Por que não criar um programa chamado Vida Nova?
E em vez de esperar que as pessoas recomecem, morando no mesmo lugar sem esgoto, na mesma encosta do morro prestes a deslizar, convocá-las a inaugurar outra vida.
Chamar o povo desempregado das periferias para mutirões de urbanização em parceria com o poder público. A prefeitura entra com as máquinas, o povo com força de trabalho. Usar o dinheiro dos fundos assistenciais para prevenir e não para remediar. Exigir que as empresas contratadas para executar obras públicas contratem pessoas da comunidade. Executar programas de poda e substituição de árvores todos os anos. Afinal, como disse aqui mesmo, com muita competência, a Silvia Marcuzzo, as árvores não são culpadas. Elas nos ajudam, mas se a gente não cuida bem delas, elas cobram…
Este ano tem eleição para prefeito e vereador. Tomara que alguém submeta o programa Vida Nova ao eleitorado. E que o eleitorado saiba escolher quem vai, mesmo, criar uma vida nova na cidade. E deixe de lado quem quer só recomeçar…
Ah! Do jeito que está escrito aí, parece que eu me excluo do eleitorado, não é? Nada disso. É que aqui em Brasília não tem eleição de prefeito.
Vida Nova, pessoal.
Foto da Capa: Agência Brasil