É com muita honra e alegria que chego neste espaço para partilhar um pouco dos conhecimentos e reflexões sobre e para o nosso povo. Aceito o convite para integrar a equipe de colunistas da Odabá, trago um pouco daquilo que tenho pesquisado até o momento: Associativismos e Movimento Negros.
O Associativismo Negro no Brasil esteve presente desde o período colonial, passando também pelo período imperial, protagonizado nos aquilombamentos, maltas de capoeira, terreiros de candomblé, ou tolerados pela igreja católica como nas irmandades religiosas. A partir da abolição e da república, inúmeras entidades civis foram criadas por todo o país e mantidas por e para pessoas negras ou “de cor”, constituindo-se como um meio de organização social e político. Esse associativismo, seja ele para cultuar sua religiosidade ou para sua atuação política, se mantém até os dias atuais, como é o caso da Odabá – Associação de Afroempreendedorismo.
Desde o início da década de 1970, em Porto Alegre – Rio Grande do Sul, inaugura-se a fase contemporânea de atuação do que se entende por Movimento Social Negro no Brasil. Joel Rufino Santos (1994) e Nilma Lino Gomes (2017) consideram que toda e qualquer instituição negra e de qualquer tempo, que se empenhou em combater o racismo, visando superá-lo, valorizando e afirmando positivamente as histórias e culturas negras, articulando maneiras de ocupação dessas pessoas na sociedade brasileira, é entendido como Movimento Negro.
O Rio Grande do Sul, estado mais meridional do país, no imaginário nacional, é lido como a Europa Brasileira e, dissimuladamente, narrado como não constituído por pessoas negras. Efeitos colaterais da suposta democracia racial e que particularmente em terras gaúchas invisibilizam e negam a participação do segmento negro na construção deste estado. Não por coincidência, a capital do Rio Grande do Sul é a cidade com a maior desigualdade entre negros e brancos no país. Ao levar em consideração os critérios raça e cor para compreender as dinâmicas sociorraciais, se evidenciou também a segregação espacial, colocando Porto Alegre na liderança do ranking das cidades brasileiras. Veja os dados AQUI.
Embora Porto Alegre tenha alçado o infame posto de cidade mais segregada do país, historicamente a população negra, partícipe permanente desde a sua fundação, mesmo sob o jugo da escravização, forjou iniciativas sociopolíticas para viver em liberdade ou bravamente existir diante até mesmo de momentos de escassez. Houve sociedades beneficentes ou de ajuda mútua, associações culturais, religiosas, educacionais, de lazer, carnavalescas, político-institucionais e esportivas. A exemplo de outras cidades, pressupõem-se que todas essas frentes de atuação foram extintas, fundidas ou se transformaram, ao longo do tempo, de acordo com seus contextos locais ou também por intervenção da conjuntura política do país, mas de alguma forma persistiram e atuam nos dias de hoje com a denominação de Movimento Negro.
Esse novo período, com o Movimento Negro como ator social na década de 70, tem como marco, no contexto de Porto Alegre, o Grupo Palmares e o ato evocativo ao dia 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra. Sete anos mais tarde, em 1978, este marco seria elevado à data nacional, a partir da unificação das pautas reivindicatórias do então novo movimento político de mobilização racial negra.
Nas últimas duas décadas do século XX, homens e mulheres negras, organizados, acentuam as mobilizações na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural e os tornam parte de suas reivindicações políticas de Estado no início do século XXI.
O Movimento Social Negro na contemporaneidade é um agente educador e um ator político que, nas palavras de Nilma Gomes, “produz, constrói, sistematiza e articula saberes emancipatórios”, é um movimento de base ancestral, pois suas reivindicações não surgem apenas na segunda metade do século XX, mas durante todo o histórico da formação da sociedade brasileira. “O Movimento Negro ressignifica e politiza a raça, compreendendo-a como construção social. Ele reeduca e emancipa a sociedade, a si próprio e ao Estado, produzindo novos conhecimentos e entendimentos sobre as relações étnico-raciais e o racismo no Brasil, em conexão com a diáspora africana”, destaca a autora.
Porto Alegre é um território fértil porque ao longo de sua história as comunidades negras, em maior ou menor grau, se organizaram para primeiramente existir e, na coletividade, combateram a discriminação racial de acordo com as dinâmicas do seu tempo. Elas também educaram e propuseram, seja de forma autônoma ou na esfera pública, o seu modo de ser e estar e revelaram referências políticas para o país. Por tanto, os associativismos negros reivindicam a afirmação de uma humanidade, ainda que parcialmente invisibilizada, porém é inegável contar a história do Brasil sem a presença das comunidades negras que sempre reivindicaram liberdade, cidadania, justiça social e em tempos difíceis como os que estamos presenciando: democracia!
Maurício da Silva Dorneles é Assistente Pedagógico na Escola Comunitária de Educação Básica Aldeia Lumiar e professor de História na Uniritter.