Pais e estudantes apavorados. Mensagens alertando possíveis ataques, relatando ameaças. Foi difícil permanecer alheio aos atentados contra escolas e creches que vem ocorrendo e se intensificando nos últimos anos.
Desde 2011, quando ocorreu o ataque na escola de Realengo (RJ), foram 11 ataques com mortes em estabelecimentos educacionais, sendo 5 somente em 2022 e 2023.
Essa preocupação fez com que um grupo de especialistas dedicados à educação pública e à prevenção do extremismo de direita em nosso país, coordenado pelo professor Daniel Cara, se reunisse e entregasse ao Grupo de Transição do Governo Lula o relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, com o diagnóstico da situação e propostas de medidas para evitar novos massacres.
O estudo aponta que a violência contra escolas é um fenômeno relacionado à escalada do ultraconservadorismo e extremismo de direita no país e a falta de controle e/ou criminalização desses discursos e práticas que são difundidos por meios digitais.
A opção em utilizar o termo “extremismo de direita”, tomada no citado relatório do qual destaco aqui itens importantes, vem de sua adoção pela literatura especializada e dos órgãos vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU), que apontam as seguintes características da visão política de extrema direita (as frases em parênteses foram ditas pelo ex-presidente Bolsonaro e inseridas por mim):
- defesa de um pensamento deturpado de “lei e ordem”
(Os direitos humanos no Brasil só defendem bandidos, estupradores, marginais, sequestradores e até corruptos)
- justificação do abuso da força policial como solução estrutural para “o problema de violência”
(Se morrerem 40 mil bandidos [por ano, por ação da polícia], temos que passar para 80 mil. Não há outro caminho.)
- antiparlamentarismo
(Se fosse o presidente, fecharia o Congresso, porque ele não funciona.)
- antipluralismo
(A maioria [dos gays] é fruto do consumo de drogas.)
- perseguição a qualquer pensamento de esquerda
(Tinha que ter caráter, né? Era só falar: ‘Não me interessa trabalhar porque sou de esquerda.)
- racismo
(O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriar servem mais.)
- misoginia
(Foram quatro homens. A quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher.)
- xenofobia
(O chinês não tem coração. Não manda seus homens para o Afeganistão nem para lutar no Iraque. Manda homens de negócios para comprar tudo.)
Um ponto fundamental para compreender o extremismo de direita é que esses movimentos têm na ideia de supremacia branca e masculina um de seus elementos constitutivos e as práticas de outros movimentos extremistas, como o nazismo e o fascismo, como modelos.
Na sua ação política, promovem uma agenda política reacionária, combatendo em especial avanços e transformações em relação a gênero, sexo e sexualidade, reafirmando disposições tradicionalistas e princípios religiosos “inegociáveis”. Posicionam-se contra a diversidade em todos os campos sociais colocando como inimiga o que chamam de “ideologia de gênero”.
Esse discurso é exacerbado com relação às escolas que são tratadas como centros de “doutrinação comunista” a cargo dos professores. As denúncias feitas pelos conservadores têm resultado em adoecimento docente, ataques e ameaças de morte aos professores.
O discurso da extrema direita atinge um público composto principalmente por adolescentes brancos e heterossexuais. O processo de cooptação tem na misoginia e ódio às mulheres e ao feminismo um elemento central e se desenrola nas redes, como o uso de humor e a chamada trollagem, glorificação da violência e sua utilização como linguagem da masculinidade. Para tanto, são utilizados jogos online, fóruns virtuais e aplicativos de mensagens. Nesses grupos, imagens de ataques e seus manifestos são vistos, lidos e compartilhados em um contexto de adoração aos assassinos que atacam escolas.
Entre as características psicológicas que favorecem a cooptação pelo extremismo de direita estão problemas relacionados à autoestima, ideias de perseguição ou paranóides, traços antissociais, narcisismo e ideias de grandiosidade.
A violência contra escolas é favorecida pela ampliação do acesso a armas de fogo, tornada política pública durante os anos Bolsonaro. 50% das mortes violentas de crianças e de 88% nos adolescentes são causadas por esses instrumentos. Segundo levantamento citado no estudo, metade das armas utilizadas nos ataques vieram das casas dos seus executores, seja registrada em nome das pessoas físicas, com certificado de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) ou armas pertencentes a policiais.
É necessário entender que a multiplicação dos ataques se insere em um contexto de promoção dos valores caros à extrema direita, que tem crescido politicamente nos últimos, tendo inclusive chegado à Presidência com Jair Bolsonaro e que ainda governa estados importantes e populosos.
Também é importante abandonar a concepção que são “ataques isolados” realizados por “lobos solitários” ou buscar apenas explicações de cunho individual para tais atos. É um fenômeno social impulsionado por uma cultura de violência facilitada pelo acesso a armas de fogo e que se aproveita dos meios digitais e das redes sociais para ganhar impulso entre adolescentes vulneráveis a esse tipo de pregação.
A identidade desses grupos masculinistas é formada em oposição às mulheres e aos homens que eles veem como seus “contrários”: o grupo LGBTQIA+. Misoginia, homo e transfobia não são piada, mas parte de uma guerra que se diz “cultural”, mas que faz vítimas reais.
Foto da Capa: Protesto na Escola Estadual Thomazia Montoro, onde a professora Elizabeth Tenreiro foi assassinada a facadas. Por Fernando Frazao/Agência Brasil