Esta semana me matriculei em uma escola de arte. Voltei a frequentar aulas de pintura, coisa que não é nova na minha vida, mas que nunca consegui me dedicar como gostaria. Porém, em períodos turbulentos, busco refúgio em duas paixões: as palavras e as tintas. E os tempos que correm não estão fáceis, requerem a caneta em uma mão e o pincel na outra. E escudos, como livros e boa companhia, e filmes, e Fernandas, como a Torres e Fernandos, como o Pessoa, que já dizia: “Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes – tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte se vê, porque dura.”
Também voltei a revisitar meus livros de arte que estavam um pouco esquecidos sobre as mesas da sala. Tenho aberto um e outro aleatoriamente em busca de referências para este (re) (re) (re) começo. Dentre tantas imagens, fui parar na Guernica de Pablo Picasso.
Durante os anos que moramos em Madri, estive algumas vezes no Museu Reina Sofía, onde a obra ocupa lugar de destaque. Nenhuma visita foi igual a outra. Em cada uma delas, absorvia aquela imagem de forma diferente, como agora ao olhar a foto da obra no livro. A tela que foi pintada em 1937 é atemporal e segue escancarando os horrores das guerras. Para pintar a Guernica, Picasso tomou como base as notícias dos bombardeios realizados pela força aérea alemã na cidade de mesmo nome durante a Guerra Civil Espanhola e acabou criando um testemunho universal contra a barbárie. Todas as pessoas, sejam de onde forem, entendem o quadro. Retratou aquela guerra e todas as outras de antes e depois.
Aqui vale repetir Fernando Pessoa: “Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes – tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte se vê, porque dura.”
A primeira vez que entrei em um ateliê de arte tinha mais ou menos dez anos. Me lembro do meu primeiro quadro. Um par de sapatilhas de balé. Fecho os olhos e tenho bastante nítida essa imagem. Nesta mesma época, eu frequentava uma academia de dança. Não era propriamente uma escolha minha ser aprendiz de bailarina, mas as meninas faziam balé. Eu, desde sempre, preferia a pintura. Acabei sem nenhuma das duas.
A segunda tentativa foi aos vinte e poucos anos, época em que morava em Porto Alegre.
Filho pequeno, faculdade de jornalismo e a enorme sorte de ter a “tia Nayá” por perto.
Nayá Corrêa era minha tia emprestada e, para minha alegria, ela tinha um ateliê no sétimo andar do Edifício Colonial, na rua 24 de Outubro. Ali passei algumas das tardes mais gostosas desta época da minha vida. Ainda posso sentir o cheiro de tinta e o aroma do chá quentinho nas xícaras de louça antiga. Ali descobri Modigliani, Cézanne, Vasco Prado e Iberê Camargo. Soube que havia um Monet e um Manet. Aprendi a desenhar com modelo vivo, a fechar os olhos e deixar a mão deslizar na tela. Com a tia Nayá, fiz meu mergulho mais profundo no mar das artes. Sinto falta da mão dela na minha, mostrando o traço, e da voz suave indicando o caminho.
Com nossa mudança para Brasília, mais uma vez a pintura perdeu espaço.
Anos depois, houve uma nova tentativa. Desta vez foi no Taller del Prado em Madri.
Durante pouco mais de um ano, frequentei semanalmente as aulas com o professor Hannos. Nascido no Iraque e vivendo há muitos anos na Espanha, a obra de Hannos é premiadíssima, forte e cheia de cor. Ele era um mestre de poucas palavras, porém muito assertivo. As aulas eram bastante técnicas. Ali aprendi a “cozer a tela”, fazer quadrantes, planejar. Ele adorava dizer “impressionante” quando insinuava que estávamos indo em um bom caminho. Com mais uma mudança de país, as aulas com o Hannos ficaram para trás, assim como as tâmaras deliciosas que ele trazia do seu país de origem e que nos oferecia com gosto.
E agora, lá vou eu de novo tentar percorrer este caminho cheio de descaminhos. Outra vez me sinto como aquela menina de dez anos que preferia ver as sapatilhas na tela do que nos pés, mas que não foi persistente o suficiente.
Pelo menos uma coisa me dá confiança. Na entrevista com o professor, falei sobre coisas que gosto, incluindo a escrita, e ele logo disse: “A pintura resulta da evocação de imagens, da mesma forma que a escrita resulta da evocação de vozes. A névoa poética já existe. Bom recomeço!”
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Foto da Capa: Pintura da Autora