Planejar uma viagem é quase tão bom, ou às vezes melhor, do que viajar. Áustria foi o lugar escolhido para passar o aniversário de vinte anos da minha filha. Nunca tínhamos estado lá. Na verdade, queríamos ir a Hallstat, a cidade que serviu de inspiração para o filme de animação Frozen, e a partir daí construímos nosso roteiro: Insbruck, Salzburgo, Hallstat e Viena.
Na noite anterior à viagem fizemos sessão de cinema em casa, com direito a pipoca na cama e o filme projetado na parede do quarto. Cantamos Let it Go em coro e rimos muito. Expectativas altíssimas, Áustria, aí vamos nós!
Queria ter hoje aqui um texto super empolgante, mas o que me vem à cabeça é a estrofe da música do Lulu Santos “não vou dizer que foi ruim, também não foi tão bom assim”. Não imagine que te quero mal, apenas não te quero mais.”
Antes de falar sobre Hallstat, o que esperávamos e o que vimos, deixo uma pequena pincelada sobre as outras cidades que visitamos.
INSBRUCK
A chegada em Insbruck é uma das mais bonitas que já tinha visto. Dia ensolarado de céu azul intenso com os Alpes cobertos de neve. Insbruck está rodeada pelas montanhas. É uma cidade pequena, muito bonita e S I L E N C I O S A.
Sentiu a vibe? Pois, algo assim como os espaços entre as letras da palavra. Esquece a música tirolesa, mesmo sendo Innsbruck a capital do estado de Tirol. Senti bastante falta de algum estímulo auditivo. Não há nenhum sinal de música típica, nem outra qualquer, em nenhum lugar, incluindo cafés e restaurantes. Contudo, é muito charmosa e perfeita para quem gosta de montanhas, esportes de inverno e também natureza e vistas incríveis.
Vale a pena? Vale. Voltaria? Só se fosse para esquiar. Como o esqui não é um esporte que eu tenha familiaridade, a resposta é óbvia.
SALZBURGO
Não me encantou. Na verdade fiquei desiludida. Salzburgo é Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. A cidade tem imponência arquitetônica, tem pequenas ruas rodeadas por edifícios da idade média, românicos e barrocos, carrega muita história, tem uma fortaleza que impressiona. Mozart nasceu em Salzburgo e foi lá que rodaram o filme “A Noviça Rebelde”. Porém, não me recordo de um lugar onde as pessoas sejam tão rudes. A falta de hospitalidade ofuscou qualquer outro atributo da cidade. Achei sem graça, ou com perdão pelo trocadilho, achei “sem sal”.
VIENA
Linda, imponente, vibrante, com qualidades e defeitos das grandes cidades europeias. O ponto alto da visita foi a exposição de Gustav Klimt, no Palácio Belvedere. Ali ficamos horas admirando os quadros dele. Fora do Palácio, há uma massificação de Klimt que chega a enjoar. O artista nasceu, viveu, trabalhou e morreu na cidade. Seu nome e suas obras aparecem em todos os lugares, muitas vezes onde menos se espera, e também em todos os tipos de souvenirs.
Viena é Viena, como Paris é Paris. Você é que faz a sua visita valer a pena.
HALLSTAT
Chegamos agora ao local que motivou nossa viagem. Hallstat (foto da capa) é uma vila pitoresca situada às margens do lago Hallstätter See. Sua história remonta à Idade do Ferro e é conhecida pela herança cultural e pela produção de sal. A região também é considerada uma das mais antigas comunidades contínuas da Europa Central. Tudo muito interessante, mas queríamos mesmo conhecer a “vila da Frozen” e é bastante nítida a semelhança entre os elementos arquitetônicos e paisagísticos da vila e Arendelle.
A chegada é mágica. Pegamos um barco para atravessar o lago e as paisagens são deslumbrantes. Não há arrependimento de ter ido, mas saí de lá com algumas considerações. Não pela paisagem que é de tirar o fôlego, ou pela arquitetura da vila encrustrada na montanha, pelas ruelas, pela igreja, pelo visual, digo porque Hallstat é uma cidade que está saturada pela exploração turística e perdeu a identidade.
Bastou uma conversa de vinte minutos com a proprietária de um pequeno café para confirmar a suspeita. Já ninguém vive em Hallstat, ou quase ninguém. Os moradores não aguentaram a pressão do turismo de massa e se mudaram para outras cidades. Isso alterou drasticamente a demografia e a dinâmica social do local. O que restou em Hallstat foi um cenário para fotos e uma oferta de serviços moldada para atender às expectativas estereotipadas dos turistas de todas as nacionalidades. Dentre os visitantes, me chamou a atenção a enorme quantidade de turistas chineses. A explicação é bizarra e nada romântica: tem uma “Hallstat” na China.
Sim, é verdade. A China construiu uma réplica da vila de Hallstatt, chamada “Hallstatt Duplicado” que fica na província de Guangdong. A reprodução detalhada da vila austríaca foi construída para atrair turistas locais e oferecer uma “autêntica experiência europeia”.
Fui pesquisar o tema e há referências de que as construções são cópias quase exatas das do vilarejo original. Dimensões, formas, fachadas e até mesmo as cores são praticamente idênticas, inclusive as vielas estreitas e a posição fora de prumo de algumas casas e edifícios. A Halstatt “made in China” acabou por estimular o turismo na cidade original. Resultado: milhares e milhares de visitantes ao ano.
Pobre Hallstat, a cidade é fria para além das baixas temperaturas do Inverno austríaco. A exploração sem controle roubou a vida e a alma do lugar. Acho que nem Elza, nem Anna e nem Olaf, o boneco de neve que ganhou vida no filme, aguentariam morar lá hoje.
Entretanto, Hallstat valeu a pena. Nós duas decidimos abstrair do que não parecia tão bom e fizemos nosso passeio carregando o sentimento que nos levou ali. Relembramos as frases do filme sobre amor, forças, fraquezas e diferenças. A cada esquina e antes das fotos eu cantava Let it Go para minha filha, isso a fez sorrir como quando era uma menina, e só por isso já valeu a pena.
A trilha do filme pode ter enjoado muitas pessoas, mas a música diz que que devemos ser livres e deixar nossas emoções livres também.
So, let it go!
Adeus, Áustria!