Cerca de 1 em 36 (2,8%) crianças de 8 anos foram identificadas com TEA (transtorno de espectro autista) em 2020. Essa estimativa foi divulgada nos últimos dias pela Rede de Monitoramento do Autismo e Deficiências do Desenvolvimento do CDC, o centro de epidemiologia do governo dos EUA, como resultado de um estudo que acompanha crianças e adolescentes em 11 cidades americanas.
Esse é um número maior que o apresentado no estudo anterior que identificou 1 autista em cada 44 crianças em 2021.
E, como acontece a cada vez que um estudo assim é divulgado, logo surge a ideia de que estamos vivendo uma “epidemia de autismo”, o que é categoricamente rejeitado pelos especialistas no assunto, como a Dra. Raquel del Monde, que afirma sem deixar margem a dúvidas: “Não temos uma epidemia”.
A médica lembra que o autismo é uma condição complexa, pouco compreendida no passado e que passou por revisões de critérios diagnósticos e que, hoje, é mais reconhecida pelos profissionais que atuam na área. De fato, o melhor entendimento sobre a condição levou à adoção da ideia do “espectro”, abarcando várias situações que não eram entendidas como autismo e levando a que mais pessoas sejam identificadas como autistas.
A Autistic Self Advocacy Network (ASAN), maior organização de autistas dos EUA, em comunicado oficial, atribui o crescimento apontado pelo CDC à maior eficiência na identificação do autismo, além da diminuição das disparidades de raça e gênero no acesso ao diagnóstico.
Essa pesquisa mostrou importantes mudanças quando se consideram os dados por gênero e raça, revelando que o estereótipo do autista como um homem branco, popularizado pela mídia em filmes, séries, jornais ou revistas, não corresponde à realidade. Estamos assistindo ao surgimento de novo padrão com relação a diferenças étnico-raciais, onde se observa maior presença de autistas entre negros (29,3 por 1.000) e hispânicos (31,6) do que entre crianças brancas (24,3).
Outra novidade foi que, pela primeira vez, as meninas identificadas como autistas passaram, do percentual de 1%, embora se mantenha a prevalência de meninos no espectro (1 menina a cada 4 meninos).
Os pesquisadores ainda constataram que a identificação do autismo vem se dando cada vez mais cedo, possibilitando o acesso precoce a serviços adequados, terapias e tratamentos. Também notaram que os diagnósticos diminuíram durante a pandemia do COVID-19, demonstrando, mais uma vez, que a chave da interpretação dos dados encontrados está no acesso ao diagnóstico.
A cada vez que uma estatística dessas é divulgada, logo surgem as mais variadas e disparatadas explicações, caindo muitas vezes no terreno das fake news e das teorias da conspiração. Em comum, todas trazem uma narrativa de pânico e a busca de “culpados”, como as telas, agrotóxicos e vacinas, por exemplo.
Nada disso poderia ser mais falso. Como diz a autista Carol Souza:
Pessoas que há 10 anos atrás sofriam em silêncio, sozinhas, pessoas que não seriam diagnosticadas com base naquele estereótipo de autista que tínhamos, estão tendo a oportunidade de receber seu diagnóstico e suporte adequado hoje. Com isso, ganham qualidade de vida. Esse é o principal. Essas pessoas estão tendo qualidade de vida. Isso é muito bom.
Não tenho dúvidas que isso é o principal resultado do diagnóstico de um autista: qualidade de vida. Saber que alguém é autista abre a possibilidade de buscar o suporte e um ambiente adequado na escola, trabalho ou na saúde. E, afinal, quem não deseja viver melhor?