Foi notícia nos últimos dias a repercussão do desastrado e infeliz anúncio feito por um ator em sua conta no Instagram sobre o fim de seu relacionamento. Ele era casado havia sete anos e tem duas filhas pequenas – uma de quatro anos e outra de quatro meses. Ele justificou a separação com o fato de estar “confuso com a vida”. Desabafou o moço: “Não lembro a última vez que fiquei sozinho pra refletir, que li um livro ou que me olhei no espelho e me orgulhasse de mim. Preciso me reconectar comigo para poder voltar mais forte”.
Parou de revirar os olhos, já? Vamos admitir: ele não foi o primeiro nem o milionésimo homem a fazer isso. Também não nos enganemos: muitas mulheres pulam fora do trabalho imenso que é criar um filho. Em mais vezes do que imaginamos, pai e mãe cansam de “brincar” e deixam os filhos para serem criados por terceiros. Isso costuma ser feito sem anúncio público, mas quase sempre tem a ver com as frustrações pessoais de quem fez e pariu um serzinho que, desculpe o clichê, não pediu para nascer.
Não foram poucas as vezes que li e ouvi o testemunho de que a pessoa “não imaginava que seria tão difícil”. Impressiona que isso ainda aconteça, mas dá para entender. O cinema, as novelas, os romances, as notícias de celebridades e as próprias redes sociais nos vendem diariamente a ideia que engravidar e ter filhos é uma grande festa, repleta de risos frouxos, bochechas rosadas e dormir abraçadinho sentindo o cheiro do cangote da cria. É isso, também. Mas é bem mais.
Pouco depois de ser abalroada pelo quase cancelamento do ator citado no primeiro parágrafo, o algoritmo colocou na minha tela o post de um amigo de Facebook pedindo dicas de textos sobre gravidez, parto e maternidade para sugerir à irmã de 23 anos, grávida do primeiro filho. Ela está preocupada com o que vem pela frente. E isso encheu meu coração de esperança. Esse bebê já chegará ao mundo com uma bela cuidadora – que está usando o tempo de gestação para gerar a mãe que será.
Com sorte, ela terá contato antes mesmo do parto com o conceito de mãe suficientemente boa desenvolvido pelo pediatra, psiquiatra e psicanalista inglês Donald Winnicott. Aliás, tenho consciência de que um dos maiores benefícios da minha maternidade tardia é meu nível de condescendência comigo mesma e o mundo ao meu redor. Eu não preciso ser a mãe perfeita de uma criança perfeita. A mim me basta ser a mãe tranquila e contente de uma criança contente e tranquila (gosto mais de contente do que feliz). Desde a gravidez, quando me perguntavam o que eu queria para minha filha, respondia: “Que a vida lhe seja leve”. Quase 11 anos depois, continuo pensando assim.
Toda vez que leio um texto sobre maternidade, criação de filhos e educação, racionalizo: “Muito bem, este é o ideal. O que eu consigo fazer disso? O que estou fazendo disso?” Quando o índice chega perto dos 70%, penso “tô me saindo bem, hein?” Acho que é assim que tenho conseguido me livrar do pânico inerente a pensar que estou responsável pela formação de outro ser humano.
Sempre que uma amiga fica grávida, dou o mesmo conselho: ignora todos os conselhos que te derem e que não parecerem úteis a ti, inclusive este. A seguir, listo alguns conselhos que guardei e estão na minha cabeceira mental permanentemente.
Sobre a gravidez de fertilização assistida
Logo que recebemos “alta” do médico Álvaro Petracco, responsável por nos ajudar a conceber nossa pequena, nas 12 semanas de gestação, perguntei a ele se eu precisava tomar algum cuidado durante a gravidez, por termos engravidado por fertilização in vitro. A resposta:
Nada. Gravidez normal. Tua gravidez é como qualquer outra.
Daí que tive semanas incríveis com a Lina crescendo dentro de mim, e nem a diabetes gestacional que descobri na 28ª semana impediu que eu seguisse normalmente minhas atividades e tivesse a Lina de parto normal, como sempre esperei, considerando o medo-pânico que sentia de precisar fazer uma eventual cesárea.
Sobre o papel do pai na criação do filho
Ainda no hospital, na primeira visita feita pela minha obstetra, Rosi Balbinotto, ao nosso quarto, ao ver meu desassosego com o Márcio segurando a Lina no colo, ela foi taxativa:
Pode parar! Ele não vai deixá-la cair. Ele é o pai dela. Tu não podes impedi-lo de jogá-la no mundo. Porque é isso que os pais fazem, eles jogam o filho no mundo. A mãe acolhe, o pai joga no mundo. Os filhos precisam das duas coisas.
Com isso, desde esse primeiro dia, toda vez que meu instinto me mandava arrancar a Lina dos “braços perigosos” do pai, eu lembro dessa orientação, e gosto muito de saber que é por deixá-la com ele nas pracinhas, parques, piscinas e outros ambientes “aventureiros” que a Lina é uma criança destemida, curiosa e alegre. Muito mais ativa fisicamente na sua primeira década de vida do que eu jamais fui.
Sobre os cuidados com nossos bebês
Na primeira consulta fora do hospital, chegamos ao consultório do pediatra José Paulo Ferreira em pânico. A pequena não estava ganhando peso como deveria, e eu a segurava como se fosse quebrar. (Na época, eu achava que não fazia isso. Hoje, sei que sim.) Ele nos cumprimenta e diz a pérola que uso como um mantra:
Eles são feitos para dar certo. Se a gente não atrapalhar, eles se criam. O que pode dar errado é exceção.
Bênção de conselho! Porque é muito fácil cairmos na tentação de acharmos que qualquer febre é sinal de uma exceção (uma doença grave) e não de uma regra (viroses). Assim, jamais reclamo de diagnóstico de viroses genéricas. Como sabemos, elas são na maioria benignas e passam em poucos dias.
Sobre traumas psicológicos que podemos causar
Toda vez que algum de nós levantava a voz, chorava ou tinha alguma atitude menos “correta” emocionalmente perto da Lina, eu me estressava, pensando no quanto isso poderia “marcá-la” pelo resto da existência. Daí que uma frase da Mariana Boccuzzi Raymundo, psicóloga que tanto me ajudou e ajuda nessa caminhada, agora me persegue positivamente sempre que algo assim acontece.
Vocês são os pais que a Lina tem. Ela vai dar conta.
Como antídoto para o susto, o pessimismo
Não adianta fugir dos fatos. Seja o filho planejado ou não, nossa vida vira de cabeça para baixo, ponto. É preciso ter noção, antes de embarcar, que muitas coisas vão ficar bem mais difíceis. Ser pai e mãe é um exercício diário de estoicismo.
Prepare-se para o pior! Pense que não terá uma noite de sono completa durante alguns anos, que será muito difícil amamentar, que seu bebê poderá ter cólicas ou exigir atenção o tempo todo. São imensas as chances de você ser surpreendido com o contrário.
Ah, sim, antes que eu me esqueça: em algum momento você vai voltar a ler um livro inteiro. E em alguns anos, prometo, vai estar com saudade daquele bebezinho que não lhe dava um minuto de tranquilidade. Curta cada minuto. Passa rápido demais. (Taí um comentário 100% correto.)