Desde domingo, não sai da minha cabeça a tradicional marchinha “bandeira branca, amor, não posso mais, pela saudade que me invade eu quero paz”. O fim da campanha eleitoral me despertou uma sensação de Quarta-Feira de Cinzas, fim de festa e recomeço. As eleições, assim como o Carnaval, são ritos de passagem consagrados entre os brasileiros. Mas é preciso mais
civilidade. No dicionário, a palavra é definida como atitudes que os cidadãos adotam entre si para demonstrar mútuo respeito e consideração.
A saudade que me invade é dela, da civilidade, um desejo que possamos, como coletividade, acalmar os ânimos, diminuir as agressividades, cessar a violência política para restabelecer o debate político democrático, aquele que tem situação e oposição, com discussões de projetos de governo e não o duelo mortal no qual ou se mata ou se morre, como nos filmes de faroeste americano. Não surpreende o sentimento de tudo ou nada, típico dos extremistas, homens-bomba, fanáticos, aqueles que levam a discórdia até as últimas consequências.
No radicalismo não há vencedores, perdem todos. Ao fechar rodovias, incendiar pneus, impedir o direito de ir e vir após as eleições, para inflar pedidos intervenção militar e prisão do ministro Alexandre de Moraes (STF), os eleitores bolsonaristas comprovam a máxima da contemporaneidade antidemocrática: se é a meu favor, é verdade, mas se é contra mim é fake news, roubo, fraude. A maior prova desta máxima é o vídeo no qual pessoas comemoram a prisão de Alexandre de Moraes ao receber uma mensagem falsa no telefone celular.
Os inconformados pelo sentimento de perda acionam o preceito da psicologia comportamental popularmente chamado de “Jaque”. “Já que perdi as eleições, então o mundo acabou”. Essa é a falácia dos danos irreparáveis. Como se a desilusão da derrota nas urnas gerasse um sentimento insuportável ao ponto de provocar a negação. Mas a vida é feita de perdas e ganhos e as situações de derrota enfraquecem, desmotivam e levam ao sentimento de luto. Por isso, é preciso aceitar e elaborar esse sentimento, pois negar a realidade diante de fatos irrefutáveis beira a insanidade.
É assim na política e na vida. A composição da marchinha “bandeira branca”, aquela que não me sai da cabeça, foi inspirada pelos carnavalescos do começo do século XX que levantavam a bandeira da paz para informar aos passistas rivais que não queriam briga. Na época, o fim da festa de Carnaval nas ruas era sinônimo de violência e quebradeira. As brigas provocavam arruaça, baderna e tornavam o ambiente festivo intransitável para os foliões que estavam ali para celebrar. Ainda que a letra possa ser interpretada como uma ode ao amor romântico de um casal que se reconcilia, a paz entre os dissonantes era o pedido da composição de Max Nunes, eternizada nas vozes de Dalva de Oliveira, Ângela Maria e todos nós.
Levantar a bandeira branca é o que o Brasil precisa agora, colocar a civilidade no centro, o respeito mútuo, o entendimento de que o outro é diferente e está tudo bem. O país se dividiu nas urnas, mas precisa se unir pelo bem de todos. Antes de lulistas, bolsonaristas ou isentões, somos brasileiros e dependemos uns dos outros, somos partes do todo. Quem sabe a gente possa aprender mais uma lição do Carnaval. As escolas que desfilam na passarela em fevereiro com carros alegóricos, sambas-enredo e passistas articularam e trabalharam um ano inteiro para viabilizar as suas alegorias, ideias e ideais. Às vezes saem vitoriosas, outras vezes não. Ao final não vemos brigas ou balbúrdia, vemos o choro, o luto, mas, em seguida, começam os ensaios nas quadras e a esperança se renova. Todo ano tem desfile e uma nova oportunidade para as escolas desfilarem seu enredo. É isso, assim como o Carnaval, toda eleição tem seu fim e seu recomeço. É tempo de bandeira branca, paz e reconstrução.