Como enfrentar o consumerismo e o turismo de massa? O cientista Jost Krippendorf (1938-2003) identifica esses turistas como comedores de paisagens. Esses devoradores de cidades são como gafanhotos famintos que buscam devorar tudo e todos à sua frente sem nenhum tipo de mergulho na cultura local.
Pode parecer estranho, mas grosso modo os turistas não mergulham em nenhuma camada mais profunda da cultura local. Esses seres só abocanham produtos e serviços produzidos de modo voraz. Os gestores públicos focam em um ou dois segmentos, por exemplo, em Gramado (aliás, a etimologia desse nome me assusta quando vem à imaginação montanhas cobertas por grama) o foco está no turismo gastronômico e no comércio de malharia (vestuário) — e ao fim e ao cabo as cidades turísticas têm suas próprias agendas. Os comerciantes se organizam para receber e extrair todo tipo de prazer fugaz dessa massa de turistas. Os produtores deixam suas máquinas operando ao pleno vapor. Os turistas de massa entram em êxtase. Consomem em uma epifania enlouquecedora: dos passeios turísticos urbanos até as famosas rotas comerciais. Todo esse frenesi permanece na superfície do consumerismo.
Mas não se engane, os passeios não são para dentro da Mata Atlântica nativa. Nesse contexto, surgem algumas questões. E as comunidades locais? As paisagens? Os seres da Natureza? A Natureza em si? O banho de floresta?
Alguns podem alegar que as comunidades estão dentro do processo turístico, afinal é preciso toda uma estrutura social para limpeza de hotéis, resorts e lodges, outra estrutura para cozinhar e servir as massas (seja a massa de turistas ou as bases de molhos gourmetizados) e outra ainda para fazer as manutenções das infraestruturas (do asfalto das ruas até os cabeamentos elétricos de cada instalação). E a comunidade local não tem direito ao acesso igualitário aos mesmos prazeres que os turistas de massa? Para alguns talvez não. Para outros se trata de uma visão de mundo mais igualitário e democrático. E sim, acesso (em todas as suas formas) é um dos elementos fundamentais da democracia. Aos que defendem que a comunidade local não deve acessar os mesmos espaços que os comedores de paisagens, cabe uma nota: são reprodutores da desigualdade social desse país e dos territórios por onde passam. Os turistas de massa devoram as paisagens e as pessoas das comunidades locais como objetos passivos. Transformam a Natureza em uma coisa a ser devorada pelos sentidos do prazer e as pessoas que ali habitam em objetos de servidão. Isso é um processo de coisificação. Longe de estragar a experiência de turismo, é importante salientar que há formas de interação com as comunidades locais quando se está de passagem.
De volta a questão inicial: como enfrentar o consumerismo e o turismo de massa? Uma resposta possível: não se comportar como um comedor de paisagens, mas como um ser humano em uma relação horizontal às pessoas da comunidade local e aos seres não humanos (animais da floresta) que habitam aquele espaço.
Os caminhos pelos quais convivi esses últimos dias não estão em um mapa de uma entidade governamental nem em algum aplicativo digital de ecoturismo. Cabe lembrar que em Gramado há rotas, linhas, caminhos, eixos e outros termos para organizar o turismo local já mapeados. Porém, a camada para acessar um banho de floresta com 42 tons de oby (ver a Parte I dessa coluna aqui) se faz no corpo a corpo, alma a alma, com a comunidade local de modo generoso e afetivo.
Em Gramado, o destino do banho de floresta foi um local sem nome (sim, a comunidade local não o nomeou — talvez com o intuito subconsciente ou consciente de preservar algumas rotas do turismo de massa) em algum ponto do Rio Caí na região das Pedras Brancas. Curiosidade, o Rio Caí tem 285 km de extensão e faz parte da bacia hidrográfica do Guaíba — o nome do rio é de origem tupi (em uma das variações o nome é a junção de dos termos ka’i (macaco) e ‘y (água). Aliás, é possível escutar uma legião de macacos bugios. Uma verdadeira bugiada.
Essas sensações todas misturadas — falas das pessoas locais, sons do rio fluindo, nuvens de gotículas de água suspensas no ar, raios de sol atravessando o espaço da floresta, cantos dos macacos bugios (a animada bugiada), o silêncio florestal (é possível escutar o silêncio do mundo urbano) —- são experiências cósmicas, existenciais e espirituais.
Oby é mais do que uma cor. Me conscientizei que oby é a arte do encontro com a Natureza. Oby é uma co-vivência florestal. É um momento em que as fronteiras egoístas de um corpo físico individualista se dissolvem. Oby é a união com a floresta. Enfim, é um banho de floresta existencial.