Proponho um desafio, tente sair na rua hoje e não ver a cor rosa. Impossível? Sim. Afinal a dominação do novo filme da Barbie pintou o mundo com suas cores características e não mostra nenhum sinal de que irá parar em um futuro próximo. Não é à toa que a cada dia que passa, o filme quebra novos recordes de bilheteria, incluindo o primeiro filme dirigido por uma mulher a chegar na incrível marca de um bilhão de dólares e se colocando como um dos principais assuntos na boca do povo. E eu fiz questão de presenciar o nascimento desse fenômeno – portanto, no dia 20 de Julho de 2023, em uma noite de verão na movimentada Los Angeles, coloquei um blazer rosa e com meu ticket na mão fui ver a grande estreia da boneca mais popular do mundo na tela grande.
Saí do cinema em êxtase. Afinal, assim como para muitas mulheres, Barbie teve um papel importante na minha infância e ver a personagem passando por uma aventura existencialista e uma jornada de amadurecimento foi algo que me proporcionou uma imensa alegria de início ao fim.
Daí, vem o outro lado da moeda: a relação já não é mais a mesma.
Como um incrível choque de cultura, o mundo descobriu que Barbie, um dos maiores ícones da cultura popular, carrega inúmeros significados que variam para cada um de nós. Para uns, Barbie é um símbolo que significa que o céu é o limite e que nós mulheres somos capazes de ser quem quisermos: médica, advogada, presidente, atleta, fashionista, escritora ou até mesmo rainha das fadas. Afinal, o grande slogan da marca You can be anything pode ser datado desde a década de 80 – nada mais adequado para boneca que quebrou com o paradigma nas quais as meninas nasceram exclusivamente com a ambição de serem mães, mas sim aquilo que elas bem entenderem.
Mas existem outros que vem a Barbie como nada mais que um brinquedo desnecessariamente caro que reforça o estereótipo de mulher fútil que apenas se preocupa com sua aparência além de corroborar com padrões de beleza inatingíveis para a maioria – especialmente para aqueles que saem do escopo da branca, loira de olhos azuis. E apesar de terem várias linhas dedicadas a Barbies de corpos diversos, a boneca – em seu formato clássico – sempre foi e será associada à imagem de uma beleza excludente para muitas mulheres no mundo, seja pelo seu preço acima das demais bonecas do mercado ou por aquelas que não se sentem representadas pela marca. E mesmo como uma grande fã da boneca, devo admitir que, infelizmente, Barbie carrega esse lado obscuro em sua história.
Portanto, sim, Barbie pode ser vista como figura feminista e antifeminista ao mesmo tempo. Mas são essas próprias contradições que encontramos na personagem que protagoniza o filme dirigido pela Greta Gerwig, trazendo grandes questionamentos para seu público. Se a perfeitíssima Barbie passa a duvidar de si mesma, seu papel na sociedade e sua beleza não estar a par dos padrões da sociedade – quem de nós estará? Esta nada mais é do que um dos principais temas do filme: é simplesmente impossível existir o ideal perfeito de uma mulher… e não há nada de errado nisso.
O que mais me impressiona no fenômeno Barbie é a capacidade que o filme teve de expandir suas discussões para além das telas. Quase como um espelho de si mesmo, através do longa metragem, público de diversos lugares estão discutidos sobre a influência da boneca na sociedade e seu papel na formação de mulheres. Barbie (a boneca) ou Barbie (o filme) – ame-as ou as odeie, não tem como negar o peso que este evento tem em discussões sobre feminismo e seus ideais e como o público reage quando os holofotes são dados a conversas como estas. Afinal, é um alívio ver que o filme mais popular e comentado do momento saiu da mesmice de grandes franquias de super-heróis. Seriam estes os ventos da mudança?
O maravilhoso sobre este filme é que ao invés de dar lição de moral para aqueles que o assistem, os convida a participar de uma conversa importante e significativa sem nos dar uma resposta definitiva. Afinal qual é o nosso papel na sociedade como homens e mulheres? Somos capazes de sair das caixas que são impostas por forças maiores e estruturas sociais? E a mensagem final do filme não poderia ser mais linda: seja você mesmo, afinal isto é mais que suficiente.
Então, toda vez que me encontro no meio de um debate sobre o filme da Barbie – se ele é bom ou ruim, importante ou fútil, feminista ou esterotipado – pra mim, pouco interessa a conclusão final. O importante é que a conversa está sendo feita, e isso já basta.
*Laura Medeiros, 25 anos, é produtora e roteirista de cinema. Nasceu em Porto Alegre e mora em Los Angeles. Mestre em Film Producing na New York Film Academy. Recebeu o prêmio de melhor curta-metragem no California Women’s Film Festival (2023), com o curta “Occupational Hazards”.